O Compositor do Tempo, Artesão de Esperanças Vadias (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era manhã do dia do trabalhador e resolvi investir o dia visitando Sr. Valdecir, e de lá ir até a casa de meu irmão.

Sr. Valdecir estava agitado, gesticulava com o celular que estava sem créditos, só recebendo notícias do mundo de lá,  deixando-lhe muito ansioso por uma informação que esperava. Ameacei colocar créditos no celular dele, acessando meu banco de bolso. Mas, irritado, ele me disse que todo dia primeiro uma pessoa amiga o faz, e que naquele dia estava demorando mais que o costume. E que, em questão de minutos tudo se resolveria.

A razão pela qual este paraibano de 75 anos, viúvo, pai de 7 filhos, todos vivos, e muitos netos, estava nervoso, era por notícias de um dos filhos. Que na noite anterior bebera, e que nesta manhã precisava ir trabalhar, e tocar um serviço, com ele contratado.

Sr. Valdecir é como madeira de aroeira, pode até vergar com o peso, mas num quebra não.
Sua vida só está boa quando a dos filhos, netos e agregados está.

Naquela manhã ele não estava com a vida boa.  Os netos andam se metendo em confusão, e um filho luta contra o vício do álcool, que causa estragos na vida profissional.

Sr. Valdecir olhava para mim, como quem diz, só mais uns minutos e já consigo ligar. Mas, antes disso, o telefone dele toca, e é uma das filhas, avisando que o irmão foi para o trabalho, e que ele pode ficar despreocupado.

Pronto, o tempo se encontrou com as horas, e o alívio se fez naquele senhor. O tempo teima em brincar com nossas marcações dele.

Para quem espera a cura de uma infecção, sete dias pode ser um parto. Para quem aguarda um encontro amoroso, sete dias pode ser um raio. Raio que lhe parta, grilhões da saudade, e amarras da doença.

A noção de tempo alcança uma outra dimensão, na perspectiva de uma espera.

Sr. Valdecir me chama para tomar um café na casa da filha dele, a Linda, e aproveitar para conversar com outra de suas filhas, a Edvânia, que passa por problemas pessoais.

Em lá chegando, encontramos a Edvânia muito chorosa e cheia de pesar. Um de seus filhos foi preso, por causa de uma briga em que se meteu. E ela sente saudades dele, e muito aperto no coração, daqueles apertos em coração de mãe, que são inclementes de dor e força.

Ela estava conversando com a amiga Cristina, que veio lhe consolar. A visita que conseguiu fazer na penitenciaria só será possível na semana que vem, e já fará quinze dias que ela não vê o filho de 18 anos.  E sofre, sofre muito.  Em sua cabeça habitam monstros, fantasmas, e todo tipo de assustamento. Não é fácil ficar tanto tempo sem contato com quem se ama, principalmente sabendo que a pessoa está num lugar perigoso, e sofrendo.

Estes dias que faltam para a visita são anos, na percepção daquela mãe.

Cristina entrou na conversa. Disse que amanhã fará uma das últimas sessões de quimioterapia, de um tumor que tirou de um dos seios. Ela já fez muitas sessões de quimio. Agora só faltarão duas sessões, a contar com a de amanhã. Em dois meses, ela estará livre desse tratamento tão cheio de efeitos colaterais, e poderá celebrar a vitória da cura. Ela espera esses meses com visível alegria estampada no rosto. O médico que lhe acompanha disse que pelos exames tudo está correndo muito bem.
Então, esta espera é de júbilo, de celebração.

É daquelas que o tempo vira brincante, e no lugar de incomodar, ele sussurra palavras de esperança no coração que espera.

Um pai que espera notícias de um filho, uma mãe que anseia em chegar a data da visita de um filho, uma senhora que marca no caderno os meses que faltam para o final de um tratamento exitoso.

Algo queria me falar naquela manhã. O tema tempo estava presente na história de vida daquelas três pessoas.    E, em cada um delas, fazia um efeito diferente.  O tempo que um filho leva sem beber. O tempo que falta para visitar um filho, o tempo que falta para uma medicação completar seu ciclo.

Mas, o que mexeu comigo nos relatos de Valdecir, Edvânia e Cristina foi a forma pela qual descreviam suas penas.

Não havia traço de desânimo algum, embora estivessem - cada um à sua maneira, carregando suas cruzes.

Sr. Valdecir tinha esperança por mais um dia que o filho conseguiria fazer suas atividades profissionais, sem estar alcoolizado num leito de uma cama.  Edvânia tinha esperança que veria o filho vivo, e ainda saudável, na medida do possível de quem está preso.  Helena tinha esperança na cura de sua doença.

E, enquanto esperavam eles agiam. Sr. Valdecir monitorava o filho por uma rede de pessoas próximas, já que ele não tinha mais celular, perdido no álcool.  Edvãnia fazia contatos com pessoas que conheciam advogados, para entender o que a juíza tinha feito, ao decretar a prisao do menino, durante uma audiência. Cristina deslocava-se de longe, enfrentava filas e aperreios, mas num faltava a nenhuma sessão das quimio.

Eles têm em comum a esperança corajosa. Não qualquer esperança, como muitas daquelas que temos, das que não alteram o carrossel do destino de viver, por serem anêmicas em seus propósitos de ação. São esperanças fraquinhas.

As deles não. São esperanças potentes, que enquanto esperam, atuam na natureza das coisas, mudando-lhes formas e cursos de ação.

Na terceira rodada de café, todos estavam animados e sorridentes. Nosso povo mais pobre aprendeu o segredo da felicidade.
Que não passa pela busca de algo para ser mais feliz, e sim pela valorização do que possuem, que os tornam menos infelizes.
Um celular que toca e é uma notícia boa do filho. Uma visita finalmente autorizada. Um remédio tomado na rede pública de saúde.
As conversas agora refletiam esse mote. Sr. Valdecir contava que o filho iria conseguir passar o dia sem beber, e entregaria uma pintura de uma casa que estava tocando.  Edvânia, agora até se consolava pelo filho estar preso. Pois, a briga em que se meteu poderia ter causado a morte de alguém, inclusive a dele mesmo. E, quando isto ocorre, o Compositor do Tempo altera a partitura do presente, deixando no seu lugar uma dor irremediável pelo luto do ausente. Já Cristina, alegrava-se de não precisar de mais sessões, ou de outra intervenção cirúrgica.

A paz era tão grande naquele lar que esqueci complemente o tempo que urgia, para levar um ingrediente de uma  receita que meu irmão fazia.

Sim, caros amigos(as), o tempo tem dessas peraltices que nos faz alterar agendas, repriorizar situações, enfocar enquadramentos, tornando-o elástico, ou sem mais necessidade de sorvê-lo ansiosamente, pelo simples fato de ali ele estar se multiplicando.
Não me perguntem como, mas que se multiplica, se multiplica.
Ah! como os que vivenciam algo bom, ou por aquilo esperam, entendem do que falo.

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