Cartas ao JG - Na vida, mesmo achando que perde de goleada, continue em campo. (Por Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)

Sabe JG, naquele manhã de sábado tu estava muito empolgado com a escolinha de futebol. teria um amistoso, com outras crianças, que vinham de São Sebastião-DF. Tu foi o último a perfilar, antes do Hino Nacional. Teu técnico, tão cuidadoso, estava arrumando tua tornozeleira e chuteira, e todos esperavam por vocês. Agora, pronto para o embate, você correu para sua posição na fila, a dos atacantes. Nós, os pais, ficamos sentados na "arquibancada de grama", cada um mais ansioso que o outro. Os meninos do outro time tinham cara de bonzinhos. Com suas camisas desbotadas, e chuteiras esfarrapadas, dava para notar que eles eram apoiados como projeto social da PM, e o fato de chegarem no micro-ônibus dela reforçou minha tese. Não havia pais deles com potentes câmeras fotografando ou filmando. Não tinha pose de antes. Eles estavam praticamente sós, para aquele embate, confiando apenas no seu treinador. Todos deviam ter entre oito e dez anos. O hino começou a tocar e era visível a emoção. Pela primeira vez eu te via perfilado e cantando o hino, e cantou direitinho. Aí começou o jogo. Da arquibancada prometi dez pacotes de figurinhas, caso fizesse um gol.
Ao que os demais pais seguiram, numa gostosa algazarra. De sorvete, figuras á pizza, tudo prometemos. No primeiro minuto de jogo, vocês tomaram um gol. No segundo, outro. No terceiro, outro. Mas, os meninos do time adversário respeitavam vocês. Não ficavam tirando onda. Nós, seus pais, ficávamos incrédulos. Não sabíamos o que ocorria em campo. Pois, vocês não conseguiam passar da linha central, em direção ao gol deles. Aos berros, reduzimos nossas premiações para um único ataque fulminante, daqueles que conseguisse botar o goleiro deles para trabalhar. Terminou o primeiro tempo e vocês não conseguiram cruzar a linha central. E o placar, muito pior que o do Brasil x Alemanha, 10 a zero para os meninos de São Sebastião-DF. No intervalo, você veio me abraçar. Os seus amigos, idem.
Você precisava daquele abraço. Seus adversários não tripudiaram em cima da aparente derrota de vocês. Não havia provocações, ou comemorações humilhantes. Respeitosos, baixaram a cabeça, num círculo, enquanto recebiam instruções para o segundo tempo. E começou o segundo tempo. Gritamos que o placar tinha zerado. Que considerassem 0 a 0. Vocês sorriram para nós. Em pouco tempo o time deles fez o 11 gol. Mas, num ataque digno de Seleção Brasileira, vocês empataram. Ops, fizeram 11 a 1. Ainda faltavam uns bons minutos de segundo tempo, e vocês estavam tomando tomavam uma média de um gol a cada 4 minutos. E o placar avançava em prol do time visitante: 12 a 1. 13 a 1. 14 a 1. 15 a 1. Contudo, eu e um monte de pais, nos emocionamos de ver que vocês não desanimavam em vim buscar a bola na defesa, e tentarem partir para o ataque. E o goleiro de seu time passou a ser uma atração a parte, evitando muitos gools com defesas precisas.


Vocês sabiam que era impossível reverter aquele resultado, mas honraram o adversário. Não desanimaram. Não esmoreceram, ou penduraram as chuteiras antes do apito final. Jogaram aqueles 20 minutos do segundo tempo como heróis legendários. Ao apito final, ficaram em fila e cumprimentaram todos os jogadores que por vocês passavam, apertando suas mãos, e olhando de frente para eles. Que exemplo para nós! Você subiu o gramado da arquibancada, em minha direção, abriu os braços, e chorou baixinho.

Eu te disse que tu me deu uma linda lição de resiliência, ensinando-lhe o sentido do termo. Que o fato de continuarem em campo, e correndo, e fazendo o que podiam, mas nunca desistindo do jogo, foi um ensinamento para toda a vida. Vocês não queriam mais empatar o jogo, pelo menos, queriam não tomar gols, ou fazer mais um. E isso foi muito lindo. Te disse que uma das mas célebres lições que a vida nos ensina, é que para ganhar temos que perder. Você não entendeu direito e eu disse te ensinei. Que na vida podemos perder muitas batalhas, mas o importante é não sair da guerra. Que não se faz um bom atleta, um bom time, ou uma vitória, sem vez por outra ele, não conseguir o primeiro lugar, a classificação, ou vencer o adversário - na primeira tentativa. Sabe filho, um traço que os fortes têm em comum é a coragem. Eles se levantam após as derrotas, e continuam acreditando que dias melhores viram. E é um acreditar transformador, pois enquanto acreditam eles ajudam a si mesmos, tornam-se mais focados e disciplinados, e perseguem com mais afinco ainda seus objetivos.
Recentemente, ouvi várias mães com problemas de relacionamento com seus filhos. Elas não sabiam como fazer com seus jovens-adultos-filhos, ainda dentro de casa, e sem um propósito de vida. Muitos estão passando o dia jogando no computador, teclando em redes sociais, ou enclausurados em seus quartos-hotel, com toda a auto-suficiência para dali não precisarem mais sair. Filho, são jovens que estão perdendo o sentido do jogo da vida. Estão deixando de correr atrás da bola, de se esforçarem em busca de seus próprios sonhos. De sua própria autonomia. Levaram umas boladas, uns gols, seja na vida afetiva, seja na vida acadêmica, ou até no primeiro emprego, e desistiram de continuar jogando. Foram para os "vestiários" de sues quartos superpoderosos, alienando-se da vida real, como ela é. Com muita ralação, aborrecimentos, dificuldades, e vez por outras, divinas e saborosas alegrias, talvez por isto mesmo. Então, querem chegar à janelinha, mas sem esforço. E, qual o sentido de chegar a algum luga sem ser como fruto de nosso esforço?
E a depressão juvenil, por falta de sentido na vida, avança em nossa sociedade. São filhos de uma classe social que enchem eles de bens, viagens, para os quais não lhes faltam nada. E tornam-se ambiciosos demais, querendo soluções rápidas, prontas e acabadas, de preferência que não precise, para o alcance delas, se esforçarem. E, viram pequenos tiranos dos seus pais. Que passam a limitar suas próprias vidas, preocupados com o filho que não reage. Que larga todo emprego que consegue. Que troca de curso superior como quem troca de boteco. que acorda três da tarde, ao virar a noite jogando. Que não arrumam nem seus quartos, e ainda culpam os pais pela infelicidade deles. Não filho meu. a vida boa não se faz assim. Na vida, temos que aprender a perder, não saindo do campo.
De que adiantaria para vocês se nós pais tivéssemos "comprado" umas molezas - do time adversário, para que a vida de vocês ficasse mais fácil no segundo tempo? De que adianta fazer gol assim, com o outro time facilitando? Então, filho meu, não sei onde estarei daqui a vinte anos, quando você tiver 28 anos. Mas, peço-lhe que se lembre daquela partida na qual perdeu de 15 a 1 e não desanimou. E continuou vindo buscar a bola na defesa, e partindo para o ataque. E, caso esteja lendo essa carta dentro de seu quarto, deprimido. Sem sentido na vida. Achando que tudo e todos tramam contra tu. Que a vida é má. Mesmo, com com comidinha na boca, remédios e roupa lavada, te digo: saia logo daí e venha para a vida real. Deixe de reclamar da vida, que a vida não é boa para você, que não arruma namorada, que emprego dentro de sua área está difícil, que o curso superior que faz não é bom...
Deixe de passar o dia entocado nesse quarto, achando que assim, que dentro dele, a vida acontecerá. Busque sua independência, com coragem. Não ache que tu terá essa estrutura de apoio para sempre.
E, paradoxalmente, é esta estrutura que não te deixa faltar nada, quem está sufocando em tu o ânimo e a coragem de ser. Um pouco de desequilíbrio, de falta, te fará bem. Pois, é na falta que corremos atrás para conseguir algo, que nos esforçamos. E, ao conseguir aquilo, como fruto de nosso esforço, nos sentimos muito bem. Então, continue assim. Correndo atrás. Se esforçando para ser o melhor para o mundo, e não o melhor do mundo.
Tendo consciência de que o que possui é muito superior a jovens em vulnerabilidade e risco social, como teus adversários. Que nem por isso desanimaram, ou amarelaram diante de vocês, todos de cara boa, e estatura superior, pelo que comem. Eles não são garotos-Nutrella. Fiquei sabendo que muitos catam latinhas, fazem pequenos trabalhos em feiras-livres e que seus pais são ausentes, pelo álcool, abandono do lar, ou estão apenados. E, mesmo assim, eles vieram e enfrentaram os meninos da classe média. Respeitaram vocês, mas não se intimidaram, mesmo não tendo uma voz seque nas arquibancadas gritando pelo nome deles.
E, aquela vitória talvez seja a melhor alegria que tenham nesse mês. Eles aprenderam o valor da superação, da conquista de seus ideais, mesmo sem terem a mínima possibilidade de premiação, pelas "Vidas-Severinas" que enfrentam, de um sorvete, um pacote de figurinhas, ou uma deliciosa pizza, ao final do jogo. E, caso faça um gol no próximo amistoso, nada de eu te prometer qualquer coisa em troca do feito. Vou te ensinar o valor de conseguir algo, sem prêmio material algum como alvo.
Aliás, os melhores prêmios que a vida me deu não foram materiais, foram um abraço sincero, um eu te amo vadio, um que bom que chegou. Ou, um: você fez falta por aqui!. Esse tipo de premiação não tem preço! E era um sentido na vida e uma satisfação interior, pela conquista de algo pelo teu próprio esforço, que durarão um monte de tempo em tuas lembranças. Sem para que isso ocorra, precise existir um prêmio material esperando-lhe na esquina da vida. Sabe filho meu, você não merece nada por fazer um gol, apenas um abraço. E será o que melhor receberá na vida. Dentro de um abraço, não há tempo ruim, e ao sair dele, tu estará sempre mais forte e mais corajoso, para enfrentar outras partidas do tipo 15 a 1, sem desistir após o primeiro tempo.
Muitas das coisas boas que fazemos e recebemos da vida, a premiação delas acontece no mundo das emoções e sentimentos positivos, ou no da razão como o de uma consciência limpa, o sentido do dever cumprido. E, chegará o dia em que saberá o valor de um abraço, após um gol que marque no jogo da vida!

Um comentário:

  1. Parabéns amigo pela lição que ensinaste a teu filho e a todos que leram esse texto.

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