O Valor das Coisas Simples do Cotidiano ( Autor Ricardo de Faria Barros)

O dia amanheceu com sabor de cafezinho na cozinha de meus pais. Com gostinho de paz e amor.
Após dois dias arrumando a mudança, com a valiosa ajuda de filhos, noras, genro e a diarista, finalmente por aqui um lar se fez.
Nada mais estava encaixotado, esperando um dia qualquer ser aberto, como minha escultura Brincante, comprada há um ano, e que morava numa caixa. Tadinha.
Acordei cedinho, a tempo de flagrar as folhas se despedindo das gotinhas de orvalho que pela madrugada fizeram-lhes companhia.
Após um saboroso café, daqueles coados na hora, saí para caminhar e explorar as imediações, da quadra 205 Sul, em Brasília, para onde mudei-me recentemente.
No caminho, deixei uma de minhas confortáveis poltronas de escritório para os simpáticos porteiros. Para que precisarei de duas poltronas?
Eles gostaram muito da doação. Falaram-me que a que usavam, naquela guarita da recepção, estava quase na pele e osso, uma verdadeira tábua, e que o presente chegou na hora certa. Um deles falou:  “E tem até recosto reclinável, e é de couro!!” 
Como são genuínas e belas as razões para ser feliz dos mais simples.
Saindo da guarita segui em direção a uma barraca de legumes, que margeava a pracinha da 205.
Ali chegando conheço o seu proprietário, o Sr. Nicácio, há 35 anos naquele ponto vendendo suas frutas e verduras.
Ele me conta que viu crianças brincando de pega-pega, por entre as estantes de frutas, que agora são “homens feitos” e que o visitam com seus filhos.
Sr. Nicácio é daqueles terapeutas de feira. Paraibano, de Pombal, ele acolhe a todos com uma mansidão e um jeito bom de ser que exalam paz no ambiente.
Passei um bom tempo sentando num dos toscos banquinhos que ele deixa para os clientes, com mais tempo, que nem eu.
E pude comprovar que aquele espaço virou local de ajuntamento social. De criação de vínculos. E ele conhece a todos elo nome. Então, ninguém compra um maço de alface e volta. Antes, proseia um pouco com ele, e com outros que ali escolhem as verduras fresquinhas.
Como precisamos, no frio concreto árido da cidade grande, de uma Kombi de frutas e verduras, pilotada pelo Sr. Nicácio, estacionada num cantinho de rua, que vira um espaço de trocas terapêuticas.
Fui vendo uma procissão de moradores se alternando, entre um quiabo, um limão e um queijo, todo fresquinho.
A todas e todos, Sr. Nicácio destinava um dedinho de prosa, com direito a tomar um cafezinho que ele traz de casa, sem custo algum para seus clientes.
Comovido por tanta paz e harmonia, naquele pedacinho do DF, fui buscar em casa um de meus livros e o presentei.
Aí, ele sacou, de uma das gôndolas, um outro livro que já tinha lido, e me retribuiu com ele, dizendo: “pode levar e ler, é muito bom”!
Voltei para casa cheio de amor no coração. Como é bom saber que temos um Sr. Nicácio por perto, a nos abastecer, muito mais de que com seus legumes e hortaliças, mas de seu melhor lugar no mundo – o seu jeito de ser: manso e espiritual. 
Talvez seja esta justamente a mística das feiras livres. Não vamos consumir nelas o que de tudo ali se vende, vamos em busca de relacionamentos significativos com os feirantes.
Coisa que está ficando rara, nesse mundo de vínculos exclusivamente digitais, e que fazem um bem danado. O outro, ali pertinho, de carne e osso, a um simples toque de afeto, importa e pode nos ser muito terapêutico.  Existem anjos disfarçados de feirantes, copeiros, zeladores, diaristas, vigilantes e até “guardadores de carros”. É só ter olhos para ver, e um coração para acolher.
Onde estarão Antônio, Arnaldo, Claudio e Nicácio para os demais moradores do bloco G?
Talvez muito nem saibam quem eles existem, conheçam seus nomes, ou quando por eles passam, reconheçam o trabalho deles.
Visto que atrás de uma farda, podemos nos tornar invisíveis a olhos criados na urbanidade, apressados e individualistas demais, para acolher o outro, o diferente daquele mundo em que habitamos.
E aí, perdemos uma oportunidade ímpar de aprendermos um pouco mais sobre a arte da sobrevivência, numa lida tão difícil como a deles, e sem perderem a esperança e a ternura em acreditar que o amanhã será melhor, e que isso também passa, nestas pessoas tão presentes, quando externam gratidão, e abrem um sorrisão ao ganharem um livro, ou uma cadeira usada de escritório.

Se o pessoal que milita e faz políticas em saúde pública soubesse do valor de um ponto de feira, como o do Sr. Nicácio, dava a ele melhores condições de ali se estabelecer.  Aquilo lá é curativo.

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