Temperando a Vida (autor Ricardo de Faria Barros)

Recentemente, aprendi a fazer moqueca. Aquilo que eu fazia antes era peixada. No dia de meu treino, olhando-a fazer aquele prato, e com tanto amor envolvido, descobri que um dos segredos era a fricção dos dedos, ao temperá-lo, deixando passar por entre eles o cheiro verde bem picadinho. Fiquei num canto do balcão, local de cozinheiros aprendizes, contemplando-a naquele estado de intensa entrega, de “flow”, mergulhada no que fazia.
É claro que o segredo de uma boa moqueca não é este. Isto que presenciei é amor.
Só quem ama o instante que em vive aprende a envolver-se tanto com ele, a ponto de antecipar sabores de futuro.
Prevendo o efeito, daquilo em que coloca a energia, nos ecos do infinito.
Bons cozinheiros sabem o que ocorrerá com a comida, após sobre ela lançar os temperos.
Ao lançá-los, sobre suas obras de arte gastronômicas, eles meio que sorriem interiormente, degustando-a antecipadamente em mil pensamentos.
Gosto dos temperos, da história deles, e do quanto contribuem para acentuar, fixar e realçar sabores
Você sabia que em algumas regiões é comum colocar folhas de alfavaca na água de cozimento dos caranguejos? Dando um sabor especial às caldeiradas de casa de praia, lugar de ajuntamento de pessoas legais.
Nós temos este dom de temperar a realidade, com nossa influência sobre ela, alterando-lhe o sabor, ao dar-lhe um significado e gostinho especial. E temperar pessoas, pela força de nosso amor para com elas.
Somos assim, tão único e belos, que podemos criar rituais, transformando momentos cotidianos em verdadeiros instantes mágicos, daqueles que não se repetirão.
Outro dia, contemplei de minha barraca de praia uma menininha que corria em direção ao mar, carregando sua boneca, toda escabelada, numa das mãos. Aquilo tornou-se um instante mágico para mim.
Vi que na pequena barraca de praia do Laércio, uma família se abriga do sol causticante, por não haver mais sombreiros disponíveis.
Laércio vem me trazer uma caipirinha, e pergunto-lhe como foi que eles ali se amoitaram.
Aí ele me falou que lhes ofereceu a sombra de onde trabalhava, por ter sentido dó da criancinha.
Laércio friccionou os dedos e colocou tempero na vida daquelas pessoas. Tornando-a um pouco melhor.
A vida nos pede, e em várias situações, aquele friccionar de dedos, colocando no que fazemos muito mais do que o que ele pode representar.
Colocando nosso amor, nossa energia espiritual e toque especial. Colocando nossa personalidade.
Por melhor que seja a receita que siga, sempre haverá algo que nela não está explicitado. Algo que só se aprende vendo. Como por exemplo, a colocação do cheiro verde na área central da panela, e não nas beiradas. Para que quem o cozinhe seja o caldo, e não as extremidades da panela que irá queimá-lo.
Perto de onde estou, um casal constrói uma piscina de areia para seu filhote. Instante mágico.
Uma namorada, do tipo rara borboleta azul, faz o namorado voltar para perto dela, quando ele dirigia-se ao mar, para passar nele um filtro solar, Loreal 50, eu vi.
Instantes mágicos. São eles que realçam, fixam e ampliam a percepção de sentido da vida.
Podemos ser mais cozinheiros de instantes mágicos. É só ficar atento ao que ocorre ao nosso redor, é só colocar o amor naquilo que fazemos.

Hoje meu irmão faz 55 anos. Logo cedo, fizemos uma foto todos juntos, conversamos animadamente em família, e criamos um instante mágico de confraternização pela data. Sua esposa, a Patrícia, juntou a todos num almoço de restaurante de beira-mar, coisa bacana.
E agora, à noite, levou o mano para dançar. Mesmo que o corpo dele pedisse cama, após uma tarde de sol, praia, cerva e festejos. Ela criou mais um instante para ele, não deixando ele ir dormir, sem antes dançar bem muito e celebrar com tudo que tem direito a este dia.
Instantes mágicos são como compotas, compotas emocionais, para um dia num futuro qualquer, serem novamente consumidos, ao sabor de doces lembranças.
Eu guardei, como compota emocional, aquele amor de minha mestre-cuca na arte de moquecar a vida.
Quem anda precisando de nosso tempero para que a vida fique mais saborosa?
Quem fricciona cheiro verde sobre você, todos os dias, tornando-o melhor?
Quem realça, fixa e amplia o sentido de teu viver?
Eu queria agradecer a estas pessoas, Borboletas Azuis, Brisas Aracatis, pessoas plenas de entrega de si mesmas, no mistério de amar.
Ser-lhes grato por tornarem-me menos insosso, mais saboroso e fazendo-me sentir importante para elas.
Seu toque especial em meu viver deu a ele uma nova dimensão, que só quem nos toca com amor consegue produzir. Só pessoas que têm o dom de temperar vidas saberá do que falo. E, depois que elas atuam na moqueca de nosso viver, ficamos muito mais suculentos e saborosos.

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