Cabeças Cortadas Colam (Autor Ricardo de Faria Barros)

Fui limpar a estante e esbarrei na escultura que trouxe de Bananeiras-PB, que representa o casal Lampião e Maria Bonita. E eles caíram no chão, ficando com suas cabeças decepadas.

Eu gosto muito de ler sobre a história desse casal:  Lampião e Maria Bonita. Lembra a história de um outro casal famoso, nas guerrilhas brasileiras, a Anita e o Garibaldi, lá pelas bandas do Rio Grande do Sul.
Lampião, do alto de sua inédita e ousada carreira para-militar no Nordeste, encontrava tempo para o amor. Levando na sua comitiva de jagunços a Maria Bonita, que com ele lutava nas várias batalhas em que se meteram.

Acho que eles são uma bela metáfora ao amor, a de lutarem juntos por uma causa.

Há alguma memória fotográfica de ambos, inclusive um vídeo deles dançando xaxado. Pois, seguia o grupo o fotógrafo sírio-brasileiro chamado de Benjamim Abraão.  Lampião ficou amigo dele ao receber o título de Capitão, das mãos de Pe. Cícero, lá no Juazeiro do Norte-CE.

Agora, aqui em casa, eles estão decapitados. Vou procurar cola boa para restaurar esse escultura, tão  querida.
Não é justo que fiquem assim, após terem vivido um amor tão bonito, digno de um belo filme de romance.

Quem não gostaria de ser chamada de Bonita?  Ele a chamava. Era sua Maria Bonita, sempre vaidosa e posando ao lado dele. Nunca atrás. Ela era completa. Não perdeu sua essência nem deixou-se intimidar-se pelo carisma e poder de seu parceiro. Ela encontrou seu caminho, e o caminho dela era cuidar, admirar, ficar perto e proteger o seu amado, lutando na mesma causa que ele. Passando os mesmos apertos, comendo quando tinha comida, dormindo sob o céu estrelado e se expondo a toda sorte de riscos. Ela nunca quis ficar numa das várias fazendas que o acolhiam e lhe davam guarita.

Nunca.

Maria Bonita não era de ficar olhando seu amor ao longe. Ela construía seu amor,  e sempre ao lado dele. Lampião sabia que tinha que ter tempo para cultivar o amor, e fazia periódicas festinhas para o bando, no pretexto de dançar com ela e de dar-lhe um pouco de lazer, naquela vida tão incerta e sofrida que passavam. Ele a paparicava com adereços para sua "armadura" de cangaço, e juntos contemplavam o mesmo amanhã.

A vida a dois tem momentos em que o casal se sente decepado.  Que algo de violento ocorreu entre eles, e que os tirou do prumo.

Mas, se houver amor, entre ambos, pela força do perdão reciproco eles restaurarão suas vidas a dois.
E, sairão mais fortes daquele choque pelo que passaram.

Tem um técnica oriental de colar porcelanas valiosas, quando se quebram, chamada de Kintsugi. Eles as soldam com ouro líquido. E aquela obra de arte fica mais preciosa ainda.

Vive-se um mito de que relacionamentos são sempre espaços de felicidade e paz. E o povo se junta esperando que a lua de mel seja uma constante. E aí, aumentam tanto a expectativa, um para com o outro, que quando a mesma não vai batendo com a realidade, eles desencantam-se mutuamente, por excesso de idealização do amor romântico e de eros.

É como o que vejo na sociedade atual, um verdadeiro culto à felicidade, como se não tivéssemos que passar por aperreios, e por momentos de baixa intensidade "felicidional", para crescer e amadurecer com aquilo.

Aí o povo se entope de tarja preta, ou drogas lícitas e ilícitas, para adormecer a angustia e os momentos de eventual tristeza.

Sim meus amigos, é importante que minha escultura passe alguns dias com a cabeça decepada.
Para poder colocar em perspectiva de quem eles eram, e o que os levou a perderem a cabeça, um com o outro, e a se machucarem mutuamente. 

As fases de esfriamento. aperto no coração e tristeza podem ser muito fecundas à renovação do amor.
Pois, se ambos decidirem avaliar o que lhes ocorre, perdoarem-se e recomeçar a vida a dois, o relacionamento ficará mais real, e menos conto de fadas, daqueles repletos de clichês postados nas redes sociais, em vidas editadas.

Ali, ninguém sofre ou passa por problemas. E terminamos por acreditar que é sempre assim. E vamos nos apegando a uma imagem distorcida, fora da realidade, do que é relacionar-se.

Mas, a decisão de colar as cabeças novamente tem que ser da dupla que se ama.

Não adianta só um querer recomeçar.  Não vai funcionar e o corte só se ampliará, dificultando a sua soldadura.

Vivemos tempos de baixa resiliência a dois, com índices altíssimos de separações antes de cinco anos de caminhada.

Creio que é pela falta de saber lidar com a realidade, e sobre ela operar, reinventando-se no cotidiano, até da própria rotina que muitas relações precocemente se esvaziam.

Essa crise de resiliência, amplificada pelas tecnologias de comunicação, faz-nos desistir facilmente de nosso sonho a dois. Para novamente idealizar uma nova relação, na qual "agora irá dar certo".

Baixa capacidade de perdão, de acolher o outro como ele é, expectativas irreais, e um mundo girando em torno de si mesmo, só querendo receber cuidado, admiração, afeto e proteção, sem nada dar em troca, acaba por degradar a vida a dois.

Aí, quando isto se estabelece na vida a dois, é como se cada um dos parceiros usasse uma foice contra o outro. Decepando-o, para matá-lo dentro de si mesmo. Uma pena.  E jogando para bem longe a cabeça do outro, para que não precise se aquebrantar para dar-lhe uma nova chance e juntos colarem-se a si mesmos.

O amor pede menos arrogância e mais humildade, para ser cultivado.
Menos certezas e mais apostas.
Menos perfeição para ser aceito, e mais aceitação para ser vivido plenamente.
Menos criação de mágoas de estimação, no canil de nosso coração, e mais depuração das toxinas emocionais, originadas dos embates relacionais.

Na escola do amor, não se pode perder a lição do perdão! Sob pena das cabeças nunca mais voltarem a ser, aquilo a que foram vocacionadas pelo Eterno, juntas!

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