A Semana das Emoções Amplificadas (Autor Ricardo de Faria Barros)



Na manhã do dia 25, minha filha insistiu para eu ficar na casa dela, e comer o famoso "restôdeonti".
Acordei com noite mal dormida. Perdi contato com pessoas amadas, na noite de 24, e quando isto acontece, vive-se um caos emocional.
Então, mais cansado que sozinho, disse pra minha filha que eu precisava deixar o pequeno JG em casa, e seguir remando na vida. 
Dirigi matutando sobre a importância das pessoas Brisa-Aracati em nossa vida, aquelas que sentimos a falta delas, "naquela mesa", como diz a canção.
Esta época do ano é a época das matutenças.
Quem já foi voluntario do CVV, ou assemelhados serviços de escuta, sabe que do dia 24 ao dia 1/1 o bicho pega.
Crises existenciais domesticadas, podem sair do canil dos pensamentos e virarem verdadeiras feras indomáveis, nessa semana de celebrações. 
Naquela manhã, a cidade estava deserta. Tive a sensação de ser o único acordado, pois JG dormia no banco traseiro.  Tempo fechado, coração nublado. Até que recebo notícias alvissareiras, e o sol volta a brilhar. Todos estão bem, foi só uma pane na Embratel.  E fotografo as nuvens. Quando faço fotos, a retina de minha alma volta a funcionar bem.
Pensei então em fazer um churrasco para mim, lá na Ânimo, e piscinear um pouco, o dia voltou a ficar quente e bonito.
Em paz, dirijo mais um pouco, à cata de lugar que venda coisa pra churrasquear, mas tudo tá fechado. E é justo, todos foram dormir tarde na ceia do dia anterior.  E quem sairia para comprar comida, com um tanto de farofa de passas, chester, perus rejeitados e guloseimas esquecidas que sobraram?

Zanzei mais um pouco, zuretinha e contemplativo, decidindo então voltar para meu cafofo. 

Lembrei que há 31 anos atrás, eu também estava só, lá em Poções-BA, naquele 25.12.1986.  E naquele dia acordei com o coração grato, por ter sido resgatado para passar o dia 24 em Jaguaquara-BA, na casa da mãe do Messias, comendo sua famosa Fatada.

Não o Messias da Bíblia, mas o Messias dono de uma pequena loja de material de construção, que com sua esposa, a Inês, resgataram-me de um natal que passaria sozinho. Assim como minha filhota fez, neste 2017.

Natal é uma festa cruel para quem por algum motivo está naquela noite sozinho. Mesmo que acompanhado.  Natal pede resgates. 

Dia 24 e 25.12, assim como seus irmãos pagãos, o dia 31 e 1, os da virada de ano, são críticos para quem passou por fortes mudanças, ou luto, no ano. 

Perdido em meus pensamentos, lembrei que em casa não tinha "restôdiontem" algum e que precisava comer algo.
Acessei o Ifood, e nenhum estabelecimento estava aberto. Putz, e já era 13hrs.
Inventariando a geladeira descobri que tinha umas iscas de tilápia, sobra de um almoço com o JG. Ele ama isca de peixe. E tinha um pote de palmito, e vinho verde bem geladinho um Azulejo.
Uauu. 
Pronto, meu almoço seria um manjar: peixe, palmito e vinho, e boa música no youtube, samba com Joyce Cândido.

Do prazeroso sofá, contemplo meu pequeno jardim, e vi que ele pedia água. Então, uma a uma vou regando as plantinhas. Posso falar sobre cada uma delas, de tão especiais que foram ficando para mim. Gosto de plantas e cachorros. No meu jardim têm as mais oferecidas, têm as tímidas, têm as sisudas e tem a da árvore da felicidade, que com seus tenros brotinhos verdes, demostra que está gostando do lugar em que a coloquei.   Essa é a mais especial de todas.  Essa plantinha foi presente de meus alunos, quando conduziram uma aula na Pós de RH da UNIP, com base no texto Seja Jequitibá, um dos mais acessados de meu blog, em (Clique aqui (Seja Jequitibá)

Ela era bem uma muda bem pequena, e eu cuidei dela com paciência e zelo.  Creio que é uma boa metáfora da felicidade. Precisamos construí-la, folhinha à folhinha, acreditando na força de suas raízes, e no Compositor do tempo que sobre ela agirá, tornando-a fecunda esperança. 

O celular toca e é uma amiga que está numa crise existencial e pede um help. A escuto por bons minutos, e solidarizo-me com sua dor.

Ambos ficamos melhor, após este telefonema. É assim que funciona. Pensamos que estamos dando, mas na verdade estamos recebendo. É o paradoxo do amor. 

E o dia 26 amanhece tão lindo. Sobrevivi ao Natal, penso eu. Agora que venha o Ano Novo. 

Faço costumeira saudação para minhas plantinhas, e vejo que um delas está se abrindo em flor, num botão de poesia. Venho acompanhando esse desabrochar a alguns dias. E é belo.

A cigarra toca, e é o porteiro Adalfran, meu amigo, com seu costumeiro café matinal.  Trocamos bons dedos de prosa. E ele me conta que não recebeu nada de lembrança do condomínio: "nem um vinhozinho, nem um panetone, nem um obrigado..."
Sinto sua dor. De mim ele recebeu um capacete para a motinha que comprou. Mas, ele queria receber um afago do local em que trabalha.
E olhe que é o único único funcionário do prédio. Conta que não era pela coisa em si, mas pela estima consideração. Sinto sua tristeza e a ela me conecto, para retirá-lo de lá.

Lembro-lhe que têm dores do tipo "salvar afogado". Ele olha pra mim com olhos arregalados, sem entender. 

Explico-lhe que têm coisas chatas que nos acontecem, ou que sobre elas ficamos matutando, que são como pessoas que por não saberem salvar que está se afogando, o abordam de frente.
E, o afogado, desesperado para respirar que está, acaba se agarrando à pessoa, desesperado, e a leva para o fundo também.
Então, quem foi salvar, acaba morrendo também. Fato muito comum em quem se lança nas águas para salvar alguém. O certo é abordar a pessoa pelas costas, para que ela não consiga com as mãos em desespero, puxar a pessoa solidária para o fundo. 

Têm pais que esquecem os outros filhos, que estão "funcionando bem", preocupando-se excessivamente com um que "se desviou". E, aquele preocupar, acaba por sugar toda energia do pai condenando os outros filhos a verem seu pai morrendo de tristeza, pelo tanto que se envolveu com o filho que está dando trabalho, ou com problemas, esquecendo-se dos outros.

Aquele pai está se afogando, por não ter encontrado o tom da empatia e ajuda fraterna ao outro.  
Um monte de dores da alma em nosso viver são assim. Se não tivermos cuidado, ao delas nos aproximarmos, ela vai contaminar toda a nossa vida. Tirando dela a essência e a luz. 
Esse luto, dor, decepção, obsessão, ou quebra de expectativa, podem ser fatais à saúde emocional.
São como pessoas se afogando, que se abordadas pela frente, nos levarão junto a elas. Muitas de nossas dores precisam ser abordadas pelas beiradas, pelos lados.  Nunca bater de frente com elas.

Precisamos ajudar a sarar nossa dor, encontrando a melhor posição para enfrentá-las, acolhê-las ou lidar com elas. Pela minha experiência no tema, e na vida, ir de frente a elas é pedir para morrer junto.  Tem que ser pelos lados. 

Ensinei-lhe um truque. Cada vez que o pensamento ruim chegar na cabeça dele, em relação a não ter recebido "nenhum um panetone", ele deverá desligá-lo com um outro pensamento do tipo:
"Não recebi nada da síndica, mas recebi dos moradores, que demonstraram que gostam de mim e de meu trabalho".

Pronto, a isto chamo de pensamento alternativo, ou compensatório, do sofrer. É como nos aproximássemos de um afogado, pelo lado certo. Sem deixar que o objeto do afogamento,a cabe também por nos afogar.

E têm dores afogantes, que precisamos ter muito cuidado ao delas nos aproximarmos, alimentá-las, ou criá-las como bichinhos de estimação, pois elas poderão roubar nossa esperança.

Ele sorri, e lembra-se que ganhou uma galinha caipira de um sitiante amigo, onde cavalga com seu cavalo, o Paul.  Sua face resplandece, e o natal se faz presença!  Ao nos despedirmos, disse-lhe um mantra, para ele falar 50 vezes no dia de hoje:  "Amanhã será melhor." E, "isso também passa".

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