O Gerânio da Mamãe (Por Ricardo de Faria Barros)

Tomando um delicioso cappuccino, curtindo o friozinho do DF, mito esperado em sua chegada neste ano, contemplo nuvens brincantes no horizonte.

Deito a vista sobre a estante e me delicio com os brotos de uma tenra muda de gerânio que vêm nascendo.

Sempre fui apaixonado pelo mistério do germinar, da casca que se abre em brotos. De brotos que desafiam espaços impossíveis de ser. E, mesmo assim, tornam-se.

Não é um gerânio qualquer. É de pingente e vermelho, comprado seguindo recomendações expressas de minha mãe, numa saga hilária.

Vê-lo nascendo lembra minha mãe e seu amor pelas flores e plantas. 

Quando chego perto da sacada, e acompanho broto a broto sua evolução, é como se ela estivesse ali comigo, torcendo, apoiando, me amando.

As coisas só são coisas até serem tocadas pelo toque do amor. Como na mitologia quando Midas 
fazia ouro com seu toque, o amor nos torna mais que preciosos, nos torna eternos. 

Nesse momento, após serem abraçadas pelo amor, as coisas deixam de ser coisas. E esse filhote de gerânio não é mais um gerânio, é o Gerânio. Os substantivos viram nomes próprios, adquirem personalidade.  Aquele Gerânio, plantando de um pequeno galho caído no chão, quando eu preparava sua mãe, para levá-la até a minha, é presença de mamãe na minha varanda.  Minha mãe é aquela que além de me amar, reza por mim. Então, é amor em dobro. 

Não sei com vocês, mas comigo têm umas coisas que deixaram de ser coisas. O cobertor que o João Gabriel gosta de ver filmes, todo empacotado nele, não é mais um cobertor, é o Cobertor do JG.

Se eu soubesse dessa natureza das coisas, de tornarem-se evocação de pessoas e bons momentos, eu teria guardado mais algumas delas, em baús do pirata. 

Mas, quando somos jovens, achamos que isso de bom que vivemos vai se repetir e que nada precisa ser guardado, para com aquilo fazer comportas emocionais, tal qual fazemos com as frutas da estação, inclusive as jabuticabas. Para serem degustadas noutros momentos, quando a vida ficar menos agitada, ou quando a preocupação se avizinhar.

Somos seres simbólicos, de mistérios, místicas e cheios de subjetividades. Creio que é isso o que nos torna humanos.

Lady vem fazer faxina na quarta, ela pode esbarrar em qualquer um de meus vasos de plantas, e até quebrá-los, eu vou substituí-los numa boa, sem estresse, faz parte. 

Mas, mas se for o do Gerânio da mamãe eu irei sentir muito. Logo procurarei nos sacos de lixo, para ver se acho o lixo aqui de casa, e salvarei a tenra muda. 

Essa parte "Demiens", do "Homo Sapiens", é o que torna transcendental o viver.  Afinal, de perto ninguém é normal, como disse Caetano. 

Quem de vocês reviraria um lixo atrás de um galho de gerânio?

Quem de vocês compraria uma radiola usada, só para ao olhar para ela se lembrar de onde veio e o quanto cresceu, quando em 1985 - com quase 21 anos, recebi o  meu primeiro salário como adulto sério e grávido? E, hoje, há exatos 32 anos, fucei no Mercado Livre até achá-la, mesmo com um pequeno defeito no descanso do braço, segundo vendedor, e sem as caixas de som, mas funcionando. (Oremos. rsrs)  É bom olhar para nossa história e saber o que passamos, de onde viemos, e o quanto já crescemos e sobrevivemos, e estamos mais fortes e preciosos do que éramos. 

Não é mágico viver?  Não é bacana percebermos o quanto das pessoas entram nas coisas de nosso viver, dando a elas um novo significado?  E o quanto carregamos conosco, e deixamos nelas, do nosso perfume de existir?  Aliás, se há uma conserva emocional poderosa são os aromas.

Aromas afetivos que nos fazem rememorar o amor. Que renova e refresca nossa esperança, tal qual o orvalho das manhãs faz com os tenros brotinhos, saídos de cascas e galhos, dando-lhes mais uma oportunidade de despertarem o  seu melhor potencial.

Casas que não são lar e quartos de hotel nem sempre possuem isso. Não há aromas de referência e a história das coisas é frugal. Não há o cheiro de gente nelas.

Gente cheira. As pessoas são aromatizadas. Eu sei que tu está sorrindo, imaginando que algumas fedem, de ruins que são. Engano seu.  Elas apenas pisaram em cocô de pato, e carregam esse cheiro. Mas, não é delas. Foram coisas fedorentas que nelas foram se afixando. Se tirar essas coisas delas, elas voltam a cheirar.

Somos almas perfumadas. Todos nós. E, mesmo que alguns de nós tenham se transformado em coisas, em algum momento de sua história de vida, quando são tocados pelo toque do amor, tornam-se Nome Próprio, deixam de ser pessoas-substantivos. 

Até nós, coisificados que ficamos, não resistimos ao toque do outro em nosso ser, quando ele é de amor, e nova criatura nos tornamos. 

Nossa muda de gerânio interior, tão comum às demais, e sem graça alguma, quando nela se deposita o amor, deixa de ser uma muda, e passa a ser a muda. Transforma-se de objeto em sujeito, de substantivo em nome próprio.

Levanto-me e vou avaliar meu Gerânio. Agora são cinco folhas e três novos brotos. Antes era apenas um galhinho, sem folha e brotos. 

Quanto progresso!  Um desavisado que chega e olha para meu Gerânio, não vê nada de especial. Eu, que conheço sua história, sei de seu progresso pela vida, e o quanto significa para mim.

Assim é conosco. Para saber de nossos avanços têm que nos conhecer, e nos amar.
Muito de nós, visto de longe, somos apenas uma pequena muda de uma plantinha, sem flor e formosura alguma. Mas, se conhecermos a história dela, veremos o quão longe já chegou e o quão significativo é cada broto que dela nasce.  

Somos eternos demais para nos acostumarmos com o ruim e o pequeno, até de nós mesmos. 

Quantas pessoas pegaram o galhinho de nossa vida, que estava jogado lá no chão, desprezado, sofrendo e esquecido,  e com cuidado o plantaram no jardim de seus corações? Que vingaram em  rosas laranjas cheias de bênçãos e de beleza. 

Agora deu fome e vou comer uma feijoada, que também não é uma feijoada.  É a Feijoada, aquela que evoca em mim a renovação de meu espírito de luta, tal qual a brisa aracati faz nos sertanejos do Vale do Jaguaribe-CE, ou borboletas azuis fazem para caminhantes exaustos em trilhas do Cerrado.

Sim, quando o Gerânio der suas flores vermelhas, e em pencas, lá pelos idos de 2018, será mais mais uma razão para celebrar a graça de viver. E, nesse dia, você está convidado(a) para juntar-se à mesa e comigo celebrar à vida. Temos que aprender a festar a vida, e nas suas pequenas coisas, que ao serem objeto de nossa gratidão deixam também de ser coisas, tornam-se marcos. 

E, deixar marcos nos outros é muito melhor do que deixar marcas. Então, aguardem o marco das flores do Gerânio da mamãe. 

2 comentários:

  1. Bonito!! Fez-me lembrar das mudas de flores (que amo) que meus pais deixaram, ao longo do tempo, comigo e que hj as cultivo com muito mais amor. Ao vê-las, hj já com flores e crescidas, contemplo ainda mais...lembro-me deles...já não os tenho mais comigo. Estão com Deus!!!

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  2. “Somos eternos demais para nos acostumarmos com o ruim e o pequeno, até de nós mesmos.”

    Lindo! É isso mesmo!

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