Cartas ao JG - Como sementes na terra, a vida também pede esperas. (Autor Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)

Era fim de um sábado bonito, daqueles que nos esbaldamos em muitas brincadeiras juntos. Esperávamos tua mãe chegar, e enquanto isto tu brincava no Parque da Cidade (Brasília-DF), naquela área de brinquedos fixos, a que tem o famoso “foguete”, aquele que tu amava em escalá-lo. Talvez ainda tenha, quando tiver adulto e leia estas linhas que teu pai escreve para tu.
Sentei-me no banco, e de longe fiquei babando, pai babão que sou. Aí tu veio correndo em minha direção e soltou um: “Pai, eu posso ir brincar de bola com aqueles menininhos no campinho de areia?”
Acenei positivamente, contive as lágrimas, e deixe para que elas vertessem, face abaixo, após sua saída em disparada.
Sabe quantas vezes você tinha feito isso, até então, agora com teus 8 anos?
Nenhuma!  Esta foi a primeira vez.
Nos sábados anteriores, eu já tinha notado alguma diferença em teu comportamento. É que neles eu teu levei para o apartamento de minha irmã, que fica num condomínio vertical aqui do DF, e te vi saindo sozinho do apartamento para brincar nas áreas de brincadeiras, junto com outras crianças.  Mas, ali era um terreno “seguro”, pois era o local de tua tia e tio.
Sábado foi diferente. O local era “estranho” par teus padrões de até então. E você superou sua timidez social, daquelas de primeiras abordagens, que tanta preocupação gerava em teu pai.  
E não só foi jogar com os pirralhos, como ainda marcou gol, e teu time ganhou, de 2 x 0.
Eu não fiz nada. Apenas deixei de pegar no teu pé, levando-lhe para se socializar puxando-lhe pelo braço, ou “orelhas”, o que muitas vezes fiz, e era errado.
Parei de fazer aquilo e te aceitei como era. Aquele que precisava de um tempinho a mais, para se integrar aos grupos de crianças desconhecidas, e que não era o meu tempo, era o teu.
Minha ansiedade, excesso de amor e vontade de queimar tua etapa interior, só estavam lhe atrapalhando. O rio corre sozinho, e em nosso amor exigente, só precisamos não atrapalhar o seu desenvolvimento, com nossa vontade de que eles, nossos filhos, sejam como nós somos, ou sejam como achamos que éramos nós, na idade deles.
E você está mudando, desabrochando, no seu tempo, ritmo e intensidade que lhes são próprios. E eu fico muito feliz de não ter botado os pés pelas mãos, logo achando em você alguma “doença sócio-emocional”, lascando em tu um rótulo, e em função desse rótulo, mudasse meu comportamento para contigo.
Acreditei em você, amei como tu era, com ou sem a capacidade de fazer amigos estranhos logo de cara, e, ao relaxar pra contigo, você pode ser você mesmo. Sem mais querer somente fazer algo para me agradar, e ao fingir tua existência, assumir uma persona que não era a tua.
Então meu filho, na vida, continue indo jogar bola com os menininhos no campinho de areia.
Verá que fará novos amigos desses encontros, e quem tem amigo tem um tesouro que traça não come e o cupim não rói.
Antes você ficava na intenção. Com olhinhos tristes e pedintes, observava outras crianças correndo pra lá e pra cá, e não saia da barra de nossa “saia”.
E voltava para casa, cheio de intenções. Intenção de ir brincar com os meninos de pular onda no mar. Intenção de rodar no balanço do parque. Intenção de após a apresentação da quadrilha do colégio ir correr com os meninos das demais turmas, já liberados das apresentações, e por todo canto.
Mas não ia. Ficava amofinado, em nossos colos, e não conseguia ir. Era muito para você, e aquela espécie de fobia social lhe imobilizava. Aí eu te pressionava e o desfecho era sempre chato, eu triste para um canto, tu triste para o outro. Até que um dia, há um ano atrás, ou pouco mais que isso, eu te aceitei assim, como eras, sem mais querer exigir um outro JG que fosse mais próximo de um JG que eu achava que estaria mais preparado para enfrentar a vida, sem mim por perto.
Não se deixe “enformar” pelas Instituições.  Do jeito que eu quis fazer para contigo, vários outros vão querer.
Resista.
Seu amor pode querer fazer isso com você, pule fora. Não existe cara-metade, é para ser caras-inteira. Tu inteiro, ela inteira.
Seus amigos também poderão querer te colocar dentro de um padrão, socialmente aceito para eles. Se esse padrão te ferir, diminuir você como pessoa, exigir um custo altíssimo de adaptação a ele, caia fora.
Levamos muito tempo para nos construir como pessoa, e estaremos sempre inacabados nesse projeto interior.
E, e nessa construção, lógico que vamos sendo talhados pelas pessoas e Instituições que frequentamos, ninguém é um eu, somos sempre um nós.
Mas que esse seja um talhe de escultor sobre a pedra bruta. Que com seu cinzel, deixa ela mais bonita. Que não seja talhe de açougueiro, daqueles que laceram a carne.
Que seja de doce, sincero e amigo o molde dos outros em nosso ser.
Daqueles que nos ajudam a erguer nossa âncora, sair da estagnação que inibe o crescimento, e faz-nos levantar velas e singrar pelos sete mares. Um navegar que sem autonomia e liberdade das escolhas, de nada valeria ter sido, apenas para ser querido, promovido ou considerado amigo! Avalie o preço que paga, a cada concessão que fizer de si mesmo, para ser aceito e se adaptar. Para algumas, valerão as penas, pague-as e mude.
Para outras, deixe que outros paguem, saia desse jogo, de um resultado que só te fará infeliz.
Não deixe que tirem de você sua essência, seu jeito particular, diferente e único de ser, pois é isso que lhe tornará uma pessoa.
Quer gostem dela, quer não gostem, é tu quem de ti deverás gostar, ao olhar no espelho.
Mesmo que seja num dia em que não foi brincar com as outras crianças no parquinho, e teu pai ficou bravo.
Tenha calma, ele estava errado, e foi apenas um dia que não foi brincar, e a vida não é feita de um dia!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores