Cartas ao JG - Um copo sujo no caminho. (Por Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)



Fui te pegar no colégio e você saiu cabisbaixo. Quando vejo-lhe assim, já sei que tomou um bilhete da "tia".
E foi mesmo. Tu me falou que na hora do recreio empurrou um coleguinha que queria à força fazê-lo tomar uma água suja, colocada dentro de um copo.
Abracei-lhe, não para passar a mão na tua cabeça, mas em solidariedade à bronca que levará da tua mãe. rsrs
Aí notei que perto de teu olho tinha um vermelhão e estava inflamado.
Perguntei-lhe o que o ocorrera e tu me disse que levou uma bolada de vôlei, e que o óculos protegeu teu olhos. O impacto da bola nele, fez com quem a armação machucasse teu rosto.
Pensei comigo, "hoje não era o dia do JG no recreio". rsrs
No caminho, você estava todo falante, já mais relaxado, talvez esquecendo das futuras broncas.
E, me perguntou, se estava certo levar um bilhete pra casa por ter defendido-se.

Eita JG, que pergunta difícil.

Imagine filho se para cada violência que a vida nos aprontar nós reagirmos na mesma intensidade, como autodefesa instintual, como se fôssemos animais.
E não somos, embora alguns se pareçam muito, aliás têm menos cérebro emocional do que eles.

Caso paguemos violência com violência, terminaremos nos tornando como eles ficaram: brutos e intolerantes com o diferente.

Você terá que achar teu próprio tom, entre ser um pamonha, aquele que não se defende de nada, e ser um cara que não releva nada. Daqueles que para ele é tudo Sim, ou Não, e ainda diz todo orgulhoso: "Bateu em mim, apanha com mais força ainda".

Esse é um misterioso ensinamento que precisará desenvolver para bem viver e conviver: o do autocontrole, misturado com sabedoria.

Ter autocontrole emocional te levará a buscar saídas não-violentas para situações ruins pelas quais passará.

Para algumas delas, será necessário apenas retroceder, desviando-se da área de choque iminente. Ou seja, não dar murro em ponta de facas. Ou, gastar vela com defunto ruim.

Para outras: deverá ser um contorcionista bem flexível, e ao driblá-las seguir caminho à frente.

Outras ainda, te levarão a ter que se adaptar a elas. Mudando a si mesmo, crescendo em conhecimentos, após experiências difíceis pelas quais passará, e que também fazem parte do pacote do viver.

Retroceder, driblar/contornar; e se adaptar são três verbos que te ajudarão muito na harmonização de relações por onde passar, e são a essência da coletivo vivência.

Uma pena que no lugar dele todos os dias somos ensinados a defender com unhas e dentes nossas posições, e verdades quase sagradas, a atacar ao menor "copo de água suja" nos apresentado para tomar, ou a no lugar de oferecer repostas, diante de situações desagradáveis, procurar culpados ou um monte de justificativas pelas nossas reações também agressivas.

Então filho meu, a arte de bem viver é saber quais batalhas vale bem a pena guerrear, e para as quais poderá renunciar entrar no ringue, e seguir caminho.

Se ficar entrando em tudo que é briga pequena, vai passar recibo de uma pessoa explosiva, que não sabe amortecer nos peitos uma brincadeira, um pequeno desafeto que recebeu, ou uma pisada na bola que fizeram para contigo. Saber superar esses pequenos dissabores exigirá de ti, além do auto-controle e sabedoria, o quinteto fantástico da inteligência emocional positiva: empatia, autoestima, compaixão, resiliência e otimismo.
Juntos, eles fazem com que até o pior copo de água suja que te entreguem seja percebido por ti, com outras lentes, e convertidos num gesto dele de querer brincar contigo, e não de te provocar. E aí tu vai aprendendo essa arte de bem viver que é a de converter na mente as maldições em bênçãos.

Para muita coisa chata que lhe ocorrer essa fórmula vai ser libertadora.
Chegamos perto da ponte, você estava dormindo. E eu falando sozinho. rsrs
Esperei tu terminar o o Kumon, e na ida para casa resumi o que acima falei.
Agora vamos para segunda parte da resposta pra tua pergunta, se foi certo ou errado você ter empurrado o menino. Nessa parte usarei a bolada que levou na cara.
Ou seja, haverá situações difíceis que sofrerá que causarão um forte impacto em teu ser, não dando tempo de se desviar delas, tal qual aquela bola de vôlei.
Aí você precisará buscar suas fortalezas e armaduras para se defender. Como o óculos fez contigo.
Uma das melhores é a comunicação não-violenta. Vou te ensinar de uma forma bem fácil.
Imagine quatro verbos, uma para cada fase do que irá comunicar à alguém que lançou uma bola contra ti: Relatar - Identificar - Expressar - Solicitar
É facinho essa fórmula e tenho usado com frequencia e me feito muito melhor. Engoli muitos sapos que me causaram sérias indigestões existenciais, só por não ter aprendido a comunicar o que não estava legal, e que ocorria comigo, nos relacionamentos interpessoais que vivia.
Ela nos ajuda a expressar sentimentos negativos sem arruinar quem os recebe, dando oportunidade para o crescimento dele. A Comunicação Não-Violenta que vou lhe ensinar pode ser decorada nessa sigla: REIDES. Não sem razão essa sigla que criei remete à redes. Veja abaixo:

Relatar o Fato Jornalisticamente - Nesse verbo você apenas diz o que ocorreu, narra o fato, a observação que fez dele. SEM CRÍTICA.

Identificar o Sentimento Ruim a Ele Associado - Nesse verbo, você apenas diz como se sentiu, expressando numa palavra a emoção negativa ou sentimento que sentiu, após o fato ocorrido. SEM VITIMIZAR-SE ou ENQUADRAR O OUTRO.

Expressar a Necessidade Maior Não Atendida- Aqui você diz o que gostaria que acontecesse, expressa sua necessidade. Identificar a necessidade é maior do que o simples ocorrido. Por exemplo, sua namorada furou a ida ao cinema contigo. Sua necessidade não é ir ao cinema, entende? Sua necessidade é de maior intimidade e companhia com ela, de momentos a dois. SEM JULGAMENTO E CRUCIFICAÇÃO DO OUTRO

Solicitar - Aqui você encerra a comunicação, dizendo o que exatamente quer, com foco no presente e futuro, sem trazer mais as tintas do que já ocorreu de errado, sem botar o outro contra as cordas. Dando ao outro oportunidade de se colocar também. JOGANDO FRESCOBOL

Vamos ao exemplo do copo sujo:

Relatar - Amigo, quando você insistiu para que eu tomasse aquela água suja. (Correto). Amigo, achei idiota querer me fazer tomar aquela água suja (errado).
Identificar - Eu me senti desprezado (Correto). Eu senti que você é uma pessoa muito má. (Errado).
Expressar - Eu tenho necessidade de uma amizade mais amistosa. (Correto). Eu necessito de amigos que prestem (Errado)
Solicitar - Será que podemos ser amigos sem que ocorra entre nós nada que possa nos machucar? (Correto) Da próxima vez que você me entregar um copo de água suja pra tomar eu vou te segurar pelo pescoço e fazê-lo você mesmo tomá-lo. (Errado).
Lógico filho, que essa metodologia acima você usará para 20% dos dissabores, aqueles que de fato valerão a pena tentar harmonizá-los, pelo diálogo. Quanto aos outros, bem mais comuns, desenvolva o autocontrole e a sabedoria de retroceder, desviar ou se adaptar.

A arte de bem viver, muitas das vezes será a de parar ter um monte de razões em tudo que lhe acontecer.

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