Cartas ao JG - Quando Quebrarem-se as Coisas (Autor Ricardo de Faria Barros)



Sabe filho, você foi ajudar tua mãe a lavar o carro, era final de tarde de domingo.
E, tropeçou na torneira do jardim.
Sua mãe desceu as escadas às pressas, chamando-me para intervir no aguaceiro.
Sem querer, você ao puxar a mangueira, puxou com tudo, quebrando a torneira.
E o aguaceiro era enorme, já que a torneira do jardim recebe água diretamente da rua, e a pressão estava forte.
Ao ver o desmantelo, você correu para seu quarto, chorando, com medo de uma reprimenda mais severa minha. Tipo, um cascudo.
A primeira coisa que fiz foi desligar a água da rua.
Depois, notei que o estrago era muito sério, dado que um pedaço da torneira tinha ficado dentro do cano, dificultando que alguma coisa saísse ou entrasse nele.
Pensei comigo que seria coisa para a segunda, coisa para encanador.
De qualquer forma, fui ver se eu tinha algum reparo de torneira sobrando, ou algo parecido.
Com a chave inglesa, tirei a junta que estragou.
E, percebi que tinha nas minhas tranqueiras uma torneira, que já vinha com a junta.
Então, a rosqueei, abri o registro da rua, e vi que ela tinha suportado a pressão da água, sem nenhum vazamento. Depois, acoplei a afixei a mangueira de jardim, e vi que funcionou, até acho que melhor do que a anterior.
Subi no seu quarto, você estava tomando banho, adentrei no seu banheiro e disse que estava tudo resolvido, tudo concertado. Você chorou aliviado, e me pediu desculpas.
Disse-lhe que não havia nada para se desculpar, que foi um acidente, e que você jamais iria fazer aquilo de propósito. E você se acalmou.
Vai ter coisas em tua vida como essa torneira. Que quebrarão, que te levarão a uma sensação de desamparo, de medo, de frustração, por não saber como consertá-las.

Filho, não temas!

Têm muitas coisas que só precisarão de um tempo, para por si só se resolverem.

Para outras, do reino dos bens materiais, terá que aprender a absorver o prejuízo,  sem se deixar tolher, levar-se, pelas coisas terrenas que poderá perder.

Tem gente que é tão escravo das coisas, que deixa de ser humano, virando uma cosia também. Gente mesquinha, de personalidade acumuladora, que se apega aos bens materiais como se eles fossem sua própria existência. Para elas, na hora que algo der errado com seus bens, a vida parece que irá junto.

Não seja assim. Um cano estourado, pode esperar para uma segunda, pode esperar um reparo de um profissional experiente.

Algo que quebrou, pode ser substituído por outra coisa, ou até passarmos sem aquilo.

Conheço gente que perde parte da vida lamentando o que perdeu de algum bem material, sem lembrarem-se que o principal não perderam, a própria vida. E, só a morte, não nos possibilita um reparo no outro dia.

Então, não fique matutando o cano quebrado e jorrando água. Tome providência, não corra com medo.

Vá desligar o registro, vá olhar se na caixa de ferramentas tem algo útil, para o reparo. Aja.

Mas, se o prejuízo for líquido e certo, sem conserto, ainda assim lembre-se que é apenas uma coisa. Que ainda tem forças para recomeçar, para repor o que perdeu, com o esforço do teu trabalho.

Não fique nessa postura de desamparado, remoendo o que quebrou, deixando que isso tire todo o seu encanto e assimbro pela vida.

Coisas quebram. Coisas podem ser furtadas. Coisas podem ser esquecidas. Coisas podem de um dia para a noite não funcionarem mais. 

São coisas. Não são pessoas.

Não confunda uma coma outra. Para com as pessoas, se algo se quebrar em seus relacionamentos, a melhor cola é o perdão.

É o diálogo respeitoso que abre as pontes para a reconstrução dos fluxos de amorosidade.

Só pessoas não podem ser substituídas, como fazemos com uma torneira de jardim. 

Não faça isso com elas, jamais.  E, se com tuas atitudes e comporamentos, vieres a pisar na vida delas, vieres a machucá-las, não fuja da cena. Não vá tomar banho de chuveiro.

Tenha a coragem tomar a iniciativa, e restaurar a paz. Não trata as pessoas como tratamos os objetos.

Não coisifique o outro, ou banalize sua dor. 

E, se um dia alguém te machucar, e de ti ficar saindo um aguaceiro emocional, sangrando por dentro, ainda assim, você poderá se restaurar, a si próprio, tendo menos expectativas das pessoas que lhe cercam, e cultivando uma imensa misericórdia para com elas.  
Mais cedo ou mais tarde, alguém vai esbarrar no cano de teu viver, impedido que de ti, por um momento, jorre água, jorre vida.

Tenha coragem de continuar resistindo.  Não tema esse sangramento emocional.

Vai passar.  E, esse jorro de água, em forma de lágrimas, poderá ser muito libertador para teu viver. 

Poderá aprender muito com ele.

Aprender a repensar atitudes, aprender a se dar valor, aprender a melhor se relacionar, aprender a definir tuas fronteiras, aprender a valorizar o que de fato merece valor.
  
Viver é esta mística jornada, de tropeços e recomeços, de sensação de "não tem saída", para a de achar um reparo e conseguir dar a volta por cima, surpreendendo a si mesmo. 

A arte de sair de um tropeço, de cabeça erguida e auto-estima preservada, talvez seja mais importante do que a de caminhar em terreno suave, posto que nossa jornada peregrina não se dar somente nesse tipo de solo.

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