Pessoas Araucária (Autor Ricardo de Faria Barros)


Desembarquei em Curitiba, e segui de carro por 380KM, Paraná adentro, no sentido de Guarapuava-PR. Na qual situa-se o Centro de Formação da Companhia Paranaense de Energia (Copel), em Faxinal do Céu, local em que ministraria uma palestra.
No volante, o Erthal botou em emissora FM de bacana, daquelas que tocam o fino da música estrangeira de balada ou academia, achando que eu gostaria delas.
Assim que peguei intimidade, pedi-lhe que sintonizasse em rádios com cheiro de povo, para irmos degustando do que nelas passam, inclusive das músicas de sofrência.
Erthal então propôs botar nas emissoras de Rádio AM. Dei uma risada e disse-lhe que essa é uma de minhas esquisitices, adoro escutar emissoras AMs.
Aí morremos de rir com uma ouvinte que ligou para saber que unguento ou remédio deveria passar para curar um “ olho de peixe” que há meses hamita seu pé.
Ficamos curiosos para saber o que seria aquilo, mas não tinha conexão com internet, então fomos tentando adivinhar.

Após certo trecho da estrada, começam a aparecer as imponentes Araucárias, como que a dizer-nos: “Bem-vindo ao Paraná! ”.

As Araucárias são as senhoras da floresta, há pelo menos 200 milhões de anos estão na Terra, e tem nome científico Araucária angustifólia.
Seu formato é único no mundo das plantas, não só de sua espécie das Coníferas.
Seus galhos crescem uns dez metros, quase na horizontal, desafiando a força da gravidade, para só então, dobrarem suas “mãos” para o alto. E, crescendo na vertical, eles vão respeitando-se, uns aos outros, ficando afastados por até um metro de distância, para que haja espaço e luz para todos.
Uma árvore sábia que tem muito a nos ensinar.
Considero a Árvore da Gratidão e da Celebração da Vida. Suas mãos que se elevam como em prece, são como as mãos de quem se sente grato. E seu formato de cálice, nos convida a um brinde à vida.
Seus quase dez metros de evolução horizontal, de seus galhos, permitem que ela experencie muita luz, forneça muita sobra e apoio, e que acolha tudo o presente de seu existir, o mais longe que seus braços podem tocar. Seus galhos horizontais, que misteriosamente desafiam a natureza da força gravitacional, nos ensinam a expandir as fronteiras do pensamento para podermos ver, para além de vidas estreitas e pequenas, para sermos grandes, abertos, acolhedores, ver o que pode estar ali todo dia, e não é mais visto, nem mais valorizado.

Suas tenras folhas que se erguem, da ponta desses galhos, nos ensinam a nos conectar com o mundo espiritual, que só quem compreende que a vida é uma dádiva entenderá. As Araucárias têm as duas atitudes que acompanham a gratidão. Sentem gratidão, ao projetarem seus galhos horizontalmente, e expressão gratidão, ao erguerem-se em forma de cálice, de mãos que se abrem num gesto de agradecimento, convidando-nos a brindar a vida.

Infelizmente, precisamo de mais atitudes pessoas-araucárias na humanidade, pois estamos ficando ingratos demais, e humanos de menos.
E não seriam realmente atitudes de quem expressa a gratidão: aquela de quem brinda a vida, e ao mesmo tempo, ergue as mãos agradecido?
Erthal notou minha admiração pela Araucárias e o tema gratidão passou a concorrer com o locutor da rádio AM no prestar atenção dele ao que eu falava.

Ele ficou tão impressionado, que reduzia a marcha, sempre que percebia que eu abria o vidro do carro para fotografá-las, era o jeito de ele expressar amor. Ao final e cada foto, eu expressava gratidão a ele por ter reduzindo um pouco a marcha.
Um dos trabalhos mais fantásticos que li sobre gratidão é do Robert A. Emmons, no livro chamado: “Agradeça e Seja Feliz”.
Emmons, pode ser considerado um dos maiores pesquisadores sobre o efeito da gratidão em nosso tecido emocional e social.
E nos faz vários alertas.
Estamos desaprendendo a ser gratos, desde a educação familiar até o mundo do trabalho, por um culto à autossuficiência, narcisismo e egoísmo, que nos torna arrogantes ao que de bom, belo e virtuoso acontece em nossas vidas, valorizando isso como dádiva. Achamos que temos direito a tudo, e não mais consideramos as pessoas que abriram portas em nosso viver, que facilitaram nossa vida. Afinal, temos direito!
Emmons é contundente quando nos diz que pior ainda do que não sentir gratidão por nada ou ninguém, é perder a capacidade de expressá-la.

“Talvez ainda pior que a falta de gratidão seja a incapacidade de expressá-la. As expressões de gratidão são reconhecimentos de que você depende dos outros para o seu bem-estar e, portanto, não é autossuficiente. Dado essa realidade, indivíduos narcisistas consideram as expressões de gratidão extremamente desagradáveis e as evitam. Ele diz assim: “Não devo nada a ninguém”."

Um obstáculo ao expressar da gratidão, citado por esse autor, é esperar reciprocidade à gratidão fornecida. E ir reduzindo as emissões dessa emoção, nivelando-se ao meio inóspito de receber gratidão em que convive.
Ele destaca que o inverso da gratidão não é a ingratidão. É a não gratidão.
Vejamos o que quer dizer.
A Expressão da Gratidão pode configurar em três dimensões práticas:
- Reconhecer o benefício;
- Admitir tê-lo recebido;
- Retribuir o favor.

Já a Não-Gratidão se dá em três níveis:
- Não reconhecer o benefício;
- Não admitir tê-lo recebido.
- Não retribuir o favor.

Ela atua como uma espécie de não-percepção do valor do que nos ocorre; como a indiferença, omissão ou esquecimento, ela nos cega ao que nos ocorre de bom, que se não fosse pelo o outro, ou pela própria dinâmica de nossa vida e realidade, não seria possível nos acontecer.

Já a ingratidão é algo do reino da emoção negativa, é uma forma de punição, “quando a pessoa é ingrata reage com hostilidade ou ressentimento, ou tenta deliberadamente depreciar a dádiva do doador.”

Emmons nos fala de três formas que a ingratidão se manifesta, nos seus mais variados estilos:

- Encontrar falha no benefício recebido;
- Pôr em dúvida o motivo do benfeitor;
- Pagar o bem com o mal.

A geração da pós-modernidade está perdendo essa capacidade de sentir e expressar gratidão. Pela autossuficiência, arrogância, e um estilo predominantemente individualista/narcisista de ser que nos diz que nós somos pequenos deuses, e que temos direito e merecemos tudo.

Olho para uma bela Araucária e ela adivinha o que estou pensando.
Em me deliciar com seu pinhão. Erthal captou minha boca salivante e encosta na estrada para comprarmos pinhões cozidos.
No carro, Erthal oferece um jornal para que eu coma ali mesmo, colocando os pinhões no colo, sobre ele. Ele nota meu receio, de melar tudo e solta um:

- “Sr Ricardo, só presta comer quente, não se importe se sujar o carro, depois eu limpo.”
Gratidão a ti, Erthal!
Quis comprar uns cinco quilos, para trazer para cozinhá-los em Brasília.
Erthal me disse que tentaria em Faxinal do Céu conseguir pinhões mais novos, da safra de agora.
No café da manhã, antes da palestra, Erthal chega todo animado. Ele estava exultante. Conseguiu com o vigilante da portaria, meus cinco quilos de pinhão.
Ele me diz que será o melhor que eu comerei. Pois, será "debulhado da pinha" nessa manhã da palestra, ou seja, comerei um pinhão recém-parido.

Ficou emocionado com o gesto dele, e agradeço-lhe efusivamente.
Chego no auditório meia hora antes, para repassar os slides e combinar alguns efeitos especiais com o Claudemir, técnico da mesa de som.

Eis que cai um raio em cima do gerador, e derruba a energia. Claudemir olha para mim e solta um: “E agora? ”.  Minha cabeça explode, pensando em possibilidades sem os slides e o som. 

No breu do auditório, os participantes vão chegando, algo em torno de 150. Acomodam-se nas cadeiras, ansiosos.  Não entro em pânico. Mas queria.
Os organizadores aflitos acionam a emergência para manutenção da rede de alta-tensão, eles estão noutra cidade, e chegarão em 40 minutos.
Sei o que representa um atraso numa programação de um evento, com tudo encadeado milimetricamente.
Dez minutos antes da hora prevista para o início das atividades, com o auditório às escuras ainda, os participantes começam a cantar. Uma paz enorme invade o recinto.

Todos se emocionam. Uso a palavra e digo-lhes que com luz ou sem luz faremos a palestra, afinal, que melhor luz do que a que eles emitiam naquele momento?

Os organizadores me agradecem, emocionados, e abrem o evento às escuras mesmo.

Uma hora depois, pouco tempo antes do intervalo do coffe-break, as luzes chegam. Decidi não ir lanchar, para reordenar a apresentação.
Uma participante nota que trabalho, enquanto eles comem, e me traz uma quentinha. Gratidão.
Começo a segunda parte da palestra, agora com luz, e vi sentado nos fundos do auditório o Erthal, assistindo à minha fala. Emociono-me. Ele não precisava estar ali. Poderia estar descansando, afinal trata-se de uma longa viagem de retorno, e ele ainda está cansado da do dia anterior, ao dirigir sob intensa chuva. Então, o reconheço publicamente, pela atenção e cuidado para comigo. Todos batem palmas para ele.
Volto para casa fotografando Araucárias. Erthal, agora aponta-lhes para mim.
Para aprender a ser grato e a expressar gratidão tem que saber abrir bem os braços, tem que acolher, tem que prestar atenção ao que lhe ocorre e a quem facilita a vida e o caminhar, e em todos os dias, desde as mais simples das coisas.
Coisinhas cotidianas tão bacanas que acabamos deixando de notá-las. Como o bom dia alegre que recebo da Cida, nossa mensalista.  
Ou cuidado que a Carmem Quintiliano tem com meus escritos, corrigindo-os após a publicação inicial, e mandando-os novamente  para mim, detalhadamente apurados para o bom português.

Ou, babar de gratidão com a minha mais amorosa e catarina-paraibana de minhas leitoras, a Imêi.
Ela recebe pelo meu blog tudo que escrevo, pois é assinante dele, e sempre me devolve parágrafos e mais parágrafos com comentários do que o meu texto falou à vida dela.
Imêi é minha Brisa Aracati.

Expressar e sentir gratidão reduz os níveis dos hormônios do estresse e ansiedade: cortisol e adrenalina, e potencializa a produção dos hormônios do quarteto do bem-estar emocional: serotonina, dopamina, ocitocina e endorfinas.
Ou seja, torna a percepção de nossa vida melhor, expande e constrói novas possibilidades relacionais e, por que não dizer, do próprio negócio que tocamos.
Ser grato faz bem ao tecido coletivo da humanidade e a nós mesmos.
Mas, existe uma atitude que é um pré-requisito a sentir e expressar gratidão, chama-se humildade.
Sem ela, nunca valorizaremos de fato o que nos ocorre e quem gravita ao nosso redor.

Peço a Cida para cozinhar uns pinhões. Após os 40 minutos de pressão, Cida me diz que abriu a panela e os pinhões estão duros ainda. Dou uma gargalhada e mostro a ela que eles estão cozidos por dentro, estão bons.
E que por fora não amolecem mesmo.
Descasco uns para ela, que os come pela primeira vez e estala a língua de feliz.
Ela me agradeça. Me diz que estava com vontade de provar, mas com vergonha de pedir.

Finalizo esse texto com uma pratica de meditação budista chamada de Naikan, que é muito útil para desenvolver o verbo da gratidão. Sim amigos e amigas, gratidão é verbo, pede ação.
A Naikan pede que façamos a nós mesmos três perguntas, em qualquer momento ao longo do dia. Valem ouro em pó, experimente.

O que recebi de _____________
O que dei para ______________
O que preciso reconstruir por alguma ação má que fiz, que alterou a natureza das coisas e pessoas?

Por fim, caso consiga fazer essas práticas acima por uma semana, proponho-lhe uma prática da psicologia positiva que gravita em torno do tema, mas que só pessoas-araucárias conseguirão fazer.
E, se meu leu até aqui você é uma delas, uma pessoa-araucária.

Escreva e entregue pessoalmente uma carta de gratidão para alguém.
A carta não pode ser enviada pelos Correios, E-mail ou WhatsApp.
Tem que ser entregue pessoalmente, ou lida pelo telefone ou Skype.
A carta deve ter um mínimo de 300 palavras, dizendo o que a pessoa lhe fez, o quanto aquilo foi importante na tua vida.
Então, marque uma visita para a pessoa, sem dizer o motivo. Na visita, leia a carta.
Caso a pessoa more longe, só nesse caso, faça por videoconferência, ou chamada de voz no celular.
Por fim, deixo-vos novamente com Emmons:

“Quanto mais a pessoa é grata, menos fica deprimida. Os pesquisadores revelaram que a gratidão promove a lembrança de experiências positivas, aumentando a elaboração de informações positivas. O que isso significa? Significa que, quando somos gratos, tendemos mais a notar aspectos positivos em nossa vida e que isso aumenta a formação (ou codificação) dessas experiências na memória. Sendo evocada em momentos difíceis, pois essas lembranças funcionarão como uma blindagem emocional positiva, favorável ao enfrentamento dos desafios cotidianos. A gratidão ajuda o indivíduo a voltar sua atenção para as bênçãos que tem, e não para as coisas que não têm, isso reduz a possibilidade de ser acometido por depressões leves, que podem evoluir.

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