Cartas ao JG - Após pisar na bola, aprenda a restaurar relacionamentos. (Autor Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, de quase 8 anos)


Sabe filho amado, o mais importante quando você pisar na bola será saber se reposicionar após o erro. Aprender com ele, e ter a coragem de restaurar pontes, pedir desculpas, aplainar arestas e recomeçar.
A cena que vou lhe contar, de tua infância, a um mês de fazer 8 anos, tem a ver com o primeiro parágrafo desse texto.
Você não lembrará dessa cena que vou contar-lhe, mas foi tão linda que vou me lembrar dela para sempre, para que jamais venha a esquecê-la.
A noite era de festa em nosso lar. Um grupo de amigos da igreja de tua mãe, a Metodista do Jardim Botânico, estava fazendo em nossa casa o que chamam de Discipulado – O Evangelho no Lar.
Gosto deles, mas teu pai é Católico e tem um profundo amor por Maria, aquela que o evangelho nos diz que a devemos chamar-lhe de a “Bem-Aventurada”.
Mas, siga teu caminho na fé. Siga tua verdade, e o que mais aqueça teu coração.
Nunca tive esse tipo de dogmatismo de alguns cristãos, que mais parecem torcedores fanáticos de seus times de futebol, ao defenderem suas agremiações com unhas e dentes.
Aliás, o melhor amor a Deus tu expressarás no teu próximo, e não em bancos de igreja. Embora, neles tu fortaleça o sentido de uma fé comunitária.
Mas, nossa conversa não é sobre fé.
Recebi os irmãos com meu churrasquinho de gato. Dois dias antes deixei eles marinando em sal, cebola, alho, vinagre de maçã e tomate. O cheiro dos espetos estava tão bom que dava até vontade de comer puro, sem fogo mesmo.
Papai sabe receber. Receber amigos em nosso lar é bênção. Então, filho amado, nunca seja mesquinho ou pequeno ao receber. Receba com um oceano de amor.
Após as rezas, foi a hora de servir os espetinhos que já estavam crocantes. Entre um canto e outro fui fazendo o fogo, e colocando-os para irem assando. De modo que estivessem quase ao ponto quando terminasse o estudo bíblico.
E a festa estava muito boa, todos felizes e comendo. Até que algumas crianças desceram do 1. Andar, onde estavam contigo jogando vídeo-game, e disseram em voz alta que você tinha jogado algo na tela da televisão e o vidro dela rachou.
Fez-se silêncio.
Todos esperavam nossa reação. Você apareceu chorando. Sua mãe deu-lhe uma severa reprimenda, e eu dei uns cocorotes, mandando você ficar de castigo no quarto.
Lá se foi uma TV novinha e de muitas polegadas.
Após uma hora, meu coração apertou e me lembrei do texto que fora lido, o do joio e o trigo. Que devem crescer juntos, pois na colheia o trigo superará o joio em altura, e ficará mais fácil de colher. Não repcisando arrancar o joio. Joio não cresce, trigo cresce.
O trigo é a graça, o perdão, a misericórdia e o amor. E o trigo se manifesta em mil tons.
Então, qual testemunho estava dando?
Sem falar com tua mãe, subi ao teu quarto para resgatá-lo do castigo.
A porta estava fechada de chave.
Chamei-lhe e você disse que estava terminando uma carta para nós.
Meu coração ficou mais aflito ainda. Que carta? Pensei...
Uns eternos cinco minutos se passaram e você abriu a porta.
Caindo no choro, dizia soluçado que estava feliz por ter ganho o jogo e jogou um boneco na tela da TV, esquecendo-se que o boneco era duro. Que não era de pano. E que naquela alegria destruiu a TV.
E entregou-me a carta.
Aí, quem chorou fui eu, ao perceber a grandeza do que acabara de escrever.
Você pegou duas folhas de papel ofício, e nelas treinou para a prova da quarta-feira, de matemática, treinou subtração, e treinou a numeração até 100.
No final dos exercícios que fizera, durante o castigo, escreveu:
“Foi feito para vocês a quem amo muito!!!! ”
E assinou: “João Gabriel”
Botei você nos braços e descemos para a festa, libertando-o do castigo e restaurando a paz em nosso lar, pela força do amor.
Todos ficaram muito felizes ao lhe ver novamente.
Agora, nos divertimos vendo TV na tela rachada. Damos boas risadas, pois se o gol for no lado esquerdo, nem sempre veremos a bola entrando.
Não tem problema, temos ainda uns 80% de tela para ver, e já está excelente.
O som está bom e com 80% de visão já dá para se ver muito!
Filho amado, eu não sabia que estava escrevendo aquela carta quando subi para te buscar. Te buscaria de todo jeito.
Mas, confesso-lhe, foi a carta mais bonita que recebi em vida.
Você tomou seu destino nas mãos e alterou a escrita no infinito.
Você trouxe para o presente a atitude de reconsiderar posições, de perdoar, de recomeçar.
Você poderia ter ficado chorando ou ter ido dormir, com a cabeça e orelha ainda quente, pelo meus cocorotes e puxão de orelha.
Mas não!
Você foi grande!
Você tomou uma atitude. Saiu da posição de vítima das circunstâncias, saiu da posição de “só comigo, eu faço tudo errado” e foi fazer os exercícios de matemática, pois sabia que era uma excelente forma de nos alegrar. E ainda fechou com o “abre alas emocional”: “eu amo muito”.
Quem resiste a um “eu te amo!”. Quem?
Só quem ama e me lê entende, o quanto não há pisada de bola que resista quando aquele a quem amamos, e não me perguntem o porquê de amá-lo, posto que é mistério, chega até nós e nos diz: “Pai me perdoe, eu não queria quebrar a TV, eu joguei o boneco a TV de feliz por ter ganho o jogo, mas só depois percebi que o boneco não era de pelúcia”. E fecha com uma cartinha de amor.
Quem resiste ao amor? Quando também se ama...
Filho meu, nunca esqueça do que fez para restaurar as pontes do diálogo, do amor e da paz.
Imagino-lhe no quarto, chorando, fazendo as contas, copiando a numeração, escrevendo igualzinho, em duas páginas, a declaração e amor. Uma para mim e outra para tua mãe. Na da tua mãe, as contas de subtração. Na minha , os numerais até 100.
Quanta coragem, quanta ousadia de não renunciar ao luto da dor do que acabara de fazer, de não se prostrar a tremenda culpa que sentia.
Obrigado filho meu, a carta é para ti, a lição é para mim e para todos que me leem.
No lugar de ficar chorando o leite derramado, você foi lá e fez algo com o que sobrou!

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