Vamos falar de Amor (Por Ricardo de Faria Barros)


Ele chegou na consulta animado, tinha muitas coisas para contar, da tarefa para casa que passei e que realizara, com maestria.
À medida em que falava, mais eu me emocionava, estava ali uma vida humana tão rica, como a minha, como a sua...
Com seus erros, acertos, escolhas, renuncias, portas abertas, portas que não deveriam ser trancadas, ânimo, desânimo, fé, descrença, amor ou indiferença, junto e combinados em cenas tão humanas.
Não tive coragem de bater o cronometro, nos 60 minutos, e deixei a sessão correr. Dei-me licença psicológica para cometer esse “ultraje” do rigor.
Ele contou-me que no dia em que foi disputar um importante tornei de vôlei, seu maior hobby, ela não quis ir. E que aquilo o matou por dentro.
Ela precisava estar naquele momento.
Para ela, “era só mais uma partida de vôlei, das tantas que fazia. Para ele, seria a primeira disputa oficial, após um longo processo de perda que sofrera”.
Minutos depois, revela-me que voltou a andar de patins, após recuperar uma lesão no joelho. Ele já tinha patinado na juventude. E estava feliz da vida com aquele retorno às rodinhas.
Mas, não foi qualquer retorno. Ele precisava de incentivo para a reabilitação no joelho, e pensou que os patins seriam ideais. Tentou uns amigos, que praticavam, mas todos já estavam compromissados com os treinos, e não queriam perder tempo com um quase “inválido”.
A esposa ouviu seus telefonemas, se escalando para andar com os amigos, para voltar a treinar. E as desculpas que estes inventavam, “sempre adiando para um depois”.
Aí, vejam o que ela lhe disse:
“Amor, eu nunca andei de patins na juventude. Até acho que não gosto de me sentir desequilibrada sobre rodinhas, tenho medo. Mas, por você, eu quero aprender. À medida em que você me ensina, você vai voltando a saber. Que tal? Eu quero patinar ao teu lado, durante tua recuperação.”
UAUUU!!!
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Nota: Aos que me leem até agora, o relato acima na intenção é verídico, mas alterei as formas, para preservar a ética clínica.
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Aí contei-lhe de meu final de semana. Confesso que vi cenas de fazer chorar as pedras, mais insensíveis, de tão belas.
Eu vi um grupo de senhorzinhos comendo pizza no domingo à noite, numa mesa ao lado da nossa. Era um casal e seu amigo, todos de cabelos bem grisalhos.
Ao pagarem a conta e saírem, notei que um deles usava uma bengala e se locomovia com dificuldade, um passo por vez. Quando sua esposa lhe ajudou a se levantar, amarrou na sua cintura uma faixa de pano, daquelas de tecido bem grosso, como se fosse um cinto.
Depois, segurou na alça que tinha atrás dessa cinta, como uma argola. E, á medida que ele avançava, ela ia fazendo o contrapeso, segurando-o por trás.
UAUU!!!
Eu vi Deus agindo, naquele carinho de esposa, naquele cuidado. Vocês têm ideia da beleza dessa cena?
Conseguem imaginá-la. Ele caminhando, passo a passo em direção à autonomia, e ela segurando-o, discretamente, para que se ele pendesse para frente ela estivesse ali, para não deixá-lo tombar.
Eu queria sair de minha mesa e ir beijar aquela senhora, e aquele senhor.
Queria dizer-lhes o quanto mudaram meu dia, o quanto me senti abençoado por ver tanto respeito, cuidado, atenção e amor, um para com o outro.
Diferente do meu paciente, o inteiro teor e forma é esse mesmo do que vos relato.
Hoje recolhi as fotos do final de semana, nelas têm quatro cenas que mostram que amor bom é amor de cumplicidade, de intimidade, de companheirismo.
Eles jogavam xadrez, minha filha e nora. E estavam perdendo feio de meu cunhado. Então, agora passaram a jogar de dois, contra ele, na maior farra amorosa. Perderam o jogo do xadrez, ganharam o jogo do relacionamento.
Na outra cena meu irmão está cozinhando, e sua esposa vira sua assistente de cozinha, e os dois se deliciam naquele salmão que faziam, e que agora não era qualquer salmão, era o salmão que a Patrícia não deixava secar a manteiga, enquanto o Guga ia trocando de posição os peixes. Quanta parceria!
Na outra foto, a Sandra passa protetor solar no seu marido, o Deja. Mas, com tanto amor, com tanto cuidado, que até do sol senti cair uma lágrima de emoção.
Por fim, durante a celebração da páscoa, no domingo pela manhã, na casa do Duque, o sol das 10hrs, daqui do Cerrado, estava de muito mau humor. Uma senhora cadeirante, escolheu um local para acompanhar a cerimônia, embaixo de uma sombra, junto com sua amiga. Seu esposo estava mais à frente, noutra área. Contudo, à medida que o sol se elevava a sombra em que ambas estavam fenecia. Eu fotografava o evento, e percebi que ele notou a situação e a dificuldade que elas enfrentavam. Então, ele saiu de seu lugar, deixou de participar dos cantos e preces, e resgatou sua esposa para lugar ameno e arejado, fazendo o mesmo com a amiga dela. E Deus apareceu ali!
Então, ele empurrou a cadeira dela para um local mais sombreado. Deixando para trás os ritos da celebração em que se envolvia, para dar-lhe toda a atenção do mundo.
Depois, ele veio buscar sua amiga, para também levá-la para a sombra.
Acho que esse é o sentido maior do amor.
Ter alguém para patinar ao nosso lado;
Alguém para segurar a alça de nossa cinta, enquanto reaprendemos a andar;
Alguém para perder uma partida juntos;
Alguém para botar manteiga na frigideira, enquanto fritamos o peixe.
Alguém para nos proteger do câncer de pele, besuntando cada centímetro e nosso corpo com filtro solar. Com uma dedicação de quem faz uma obra de arte.
Alguém, para perder minutos consigo mesmo, para prestar atenção aos lados, enquanto ora, e servir o seu próximo, tirando-os do sol.
Se fosse professor de curso de noivos, esse seria meu único texto para eles! Minha única lição, extraída desse texto, seria: " aprenda a cuidar e a admirar aquele(a) com a(o) qual dividirá as escovas de dentes."

Borboleta Azul (Autor Ricardo de Faria Barros)


Para se ver borboletas azuis precisa-se capacitar o olhar.
Elas se prestam mais a vistas travessas, de crianças sapecas, do que sisudos olhares de adultos ensimesmados.
Um viajante inepto, irá vê-la apenas de perfil, e dirá: "Qual graça existirá nessa borboleta, de asas marrons, qual um tronco seco?"
Ahh, caro viajante inepto, tem que degustar o olhar. Tem que acreditar em coisas bobas: como anjos, recomeços, potes de tesouro abaixo do arco-iris, noites iluminadas por vaga-lumes e uma orquestra formada pelos sons do crepitar das chamas.
Sem se permitir; tourear o sentir, nunca você verá uma Azul por inteira.
Não é pra qualquer mortal.
Parada num tronco, sem graça alguma, imperceptível em seu disfarce predileto, ainda assim, para os caçadores de Azuis, é ela. E é só dar tempo dela. Esperar.
Elas só está disfarçada. É só aguardar um pouco e ela abrirá as asas e fará um planeta azul com seu vôo.
E aí, quando elas alçam vôos, um azul cintilante irrompe do nada, das "entrecoxas" de suas asas, e sai colorindo a mais monocromática das paisagens.
É azul interior, azul daquele do céu que forra a cama dos anjos.
Se tiver sorte, aliás não é sorte, ela aparecerá no meio de um trilha que faz, em direção a alguma das mais de vinte cachoeiras da Chapa dos Veadeiros.
Como essa que fotografei, e até que não tremeu tanto, dado sua velocidade ser tremenda, quando ela sai para saborear o vento.
Mas, tem que capacitar o olhar, repito, para ver coisinhas azuis batendo asas, saindo do nada, e correndo serelepe à sua frente, sem se deixar fotografar.
Ela não é chegada a fotos.
Ela gosta mesmo é de desafiar as correntes das brisas aracatis e ficar sambando no palco da vida.
Se um dia você conseguir vê-la, aproveite o instante. Deguste cada segundo, pois ela não ficará á sua frente por muito tempo.
E, não tente adivinhar para que lado ela irá. Será perca de tempo.
Borboletas azuis não são domesticáveis, e para vê-las, em todo seu esplendor, tem que libertar o coração de qualquer sintoma de prisão.
Durante as caminhadas que fiz, nesse final de semana na Chapada, ela sempre esteve presente. Quase uma "guia espiritual". Em todas as ocasiões, ela aparecia ao menos uma vez, sempre na ida e na volta, como quem a nos guiar.
Ensinei o JG a colecionar aparições de borboleta azuis.
E foi um barato. E, em algumas destas aparições, era ele quem via primeiro e gritava: "Pai, uma borboleta azul!"
Essa da foto foi ele quem avistou primeiro.
Ao vê-la, aquilo revigorava nosso ânimo, já combalido, ao fazermos trilhas de alta dificuldade.
Logo depois eu dizia para o JG: "Sinta o aroma do bater de asas delas.".
JG, entrava na fantasia e dizia: "cheirinho bom."
E eu ficava com um sorriso no canto dos lábios.
Acredito que muitos de nós são como elas. Precisam das alturas para revelar o que têm de melhor, precisam fazer conexões com a dimensão da poesia, aquela que nina a alma, para azular a mais opaca das esperanças de dias melhores.
Hoje, na cachoeira do Lajeado, algo impressionante aconteceu. Uma enorme Azul ficou "brincando" um tempão à minha frente.
Dei vários cliqueis, mas nenhum ficou bom, elas são muito rápidas.
Aí, algo de chato me ocorreu. Cai de uma das pedras, na qual me apoiava para fazer um close da queda de água.
Foi de bunda ao chão, mergulhando com a câmera, meu xodó, a Sony A6000.
E aí, ela não ligou mais. Creio que se afogou.
Uma sensação de tristeza invadiu meu ser. Aí, olhei para o paredão de pedra, na contra-face da cachoeira, e quem estava novamente ali, fazendo piruetas para mim? Tornando tudo mais colorido, e com vida, por onde passava?
Ela, a Azul do Lageado. Então, lembrei que a câmera podia até estar quebrada, mas meu coração não estava.
E era só guardar aquelas novas cenas, lá no cofre interior, onde cupim não dá, e o Homem não rouba, aquele mesmo local onde se guarda o Amor.
Apurei as retinas, e saboreei o momento até a última das batidas de asas.
Senti que ela estava me consolando. E funcionou. Até esqueci o luto, por um instante, ficando a contemplar as piruetas daquele espécime tão raro e de difícil engaiolamento. Talvez por isso, o mais belo.
Assim é com tudo de ruim que nos acontece, aquilo não resistirá à força do amor.
O amor sara feridas, restabelece propósitos e nos faz - perante a chamada da Vida, dizer: presente!
Obrigado Borboleta Azul!

No Rancho Fundo da Odésia (Autor Ricardo de Faria Barros)


Acordamos com o firme propósito de ir conhecer um encontro de rios.
Coisa que, convenhamos, nem sempre está ali pertinho, há poucos quilômetros para ser ver.
Trata-se do encontro do Rio São Miguel com o Tocantinzinho, ambos se abraçam na Divisa dos Municípios de Colinas do Sul-GO com São Jorge-GO.
Então, botei meu melhor traje de desbravador e fiz do meu carro um valente 4 x 4, daqueles Off-Road, e seguimos pela íngreme trilha de uns 10 km, descendo e subindo morros de ângulos radicais.
A trilha era de barro e bem estreita, em alguns lugares eu sentia que o carro encolhia, pra caber entre as barreiras.
Não havia habitação por perto, nem sinal de humanos.
Aqui e acolá, uma plaquinha indicava que precisávamos seguir em frente.
E tome primeira e segunda marchas, e um avanço decidido, metro a metro, e sem hesitação.
JG divertia-se, bancando o navegador olhando bem a frente, para enxergar qualquer traço de poeira, que poderia indicar um carro vindo em direção contrária, o que só aumentava a emoção.
Em alguns lugares quisemos parar para contemplar as montanhas e desfiladeiros, em vistas de estonteantes belezas, mas a prudência recomendou seguirmos.
Ah! Essa tal de prudência!
Ao descer uma pirambeira e dobrar a esquerda achamos um vale encantado. Nele, uma casinha, árvores frondosas e o simpático Joaquim nos recebendo.
Estávamos chegando no final da estrada, dali em diante só a pé, por mais dois quilômetros.
Joaquim fez as cerimônias e nos ensinou tudo. Como chegar, as melhores vistas e acessos.
Um gentleman.
A única casinha que emoldura o vale encantado é de sua irmã, a Odésia, e nela funciona o restaurante dela.
Ele nos disse para encomendar o rango antes de seguirmos pra trilha, “pois a comida só é servida pra quem falou que queria, com duas horas de antecedência.
Era próximo das 10hrs e ficamos de voltar às 13hrs para rangar. Encomendamos peixe com carne. Poderia ter sido galinha com peixe.
Mas, JG ainda não come as penosas, que pena!
O final da trilha revelou-se como um bom conto de Drumond, uma narração de Monteiro Lobato, ou a poesia de Jessier Quirino.
Era boniteza demais. Pegamos o acesso mais difícil, afinal para quem fez a trilha do dia anterior de grande dificuldade (Cachoeira do Segredo) e conseguiu, aquela era fichinha.
Do mirante, há uns 300 metros de altura, vimos os rios trocarem um beijo, entre si. Eles vem margeados por paredões de pedras. Cada um correndo por um lado, de longe eles nem se percebem.
De repente, quando dobram uma esquina de pedra, uauuu!!!
Se abraçam, se beijam, se misturam formando agora um leito caudaloso, de uma expressividade impressionante.
O som da felicidade do encontro deles é ouvido do mirante, como se fora crianças que se encontram num parquinho de diversão, para juntas brincarem de viver.
Tentei decifrar, após o enlace, qual dos dois era um. Impossível. Não há diferenciação, como a do Rio Negro com o Solimões.
Esse encontro foi muito intenso, pois misturaram-se a ponto de não saberem mais onde começa e onde termina o outro.
Oh São Miguel, quais de tuas águas agora são Tocantinzadas?
Oh Tocantinzinho, quais de tuas águas agora são Miguelzadas?
Descendo para tocar naquelas águas, entre precipícios de rochas, e à medida em que o som se intensificava, tive uma sensação de saudade.
Era como se estivesse com o coração apertado sentindo em não ter mais gente ali, pertinho, contemplando aquele quadro expressionista comigo, pessoas que aprendi a amar.
Já percebeu que quando você ver uma coisa bonita quer que mais gente esteja vendo contigo?
Escolhi uma pedra trampolim, e marquei com o JG e A Cris para ir ter com eles na prainha, eu iria agora descer pelo rio, deixando-me levar pelas correntes.
Convoquei a Cris para documentar
Cristina, para desespero dela, assumiu a missão. Não sem antes externar sua preocupação, com ênfase!
Aí pulei, e deixei as águas me levarem, que delícia!
Encontrei-me com eles na prainha, e pude perceber que o JG ficou todo orgulhoso. Seu pai também veio pela água, a exemplo de uns marombados que dividiam o pedaço.
Depois de horas de banho, deu fome e voltamos por uma trilha mais amena, que o Joaquim também indicara.
Ai, fez-se o milagre. Adentramos na cozinha, sala de jantar da dona Odésia e sentimos uma paz tamanha.
Ela fundou seu estabelecimento há 25 anos. Trabalha com o irmão, o Joaquim, dois filhos e uma nora.
Entramos na casa-restaurante pelo alpendre. Lá nos fundos fica a "sala de jantar" com mesas amplas e comunitárias, daquelas de madeira maciça e bancos largos. Numa das paredes, uma enorme lapinha, com imagens de Nossa Senhora, e alguns retratos na parede. Presumo que sejam parentes falecidos.
Aquele parede assumia jeito deCatedral, tal a mística energia que dali fluía.
Para se servir, entramos no recinto sagrado da cozinha. Ali, eles foram além do conceito de cozinha de portas abertas. Serve-se literalmente nas panelas, e numa larga mesa, ainda na cozinha, estão expostos legumes e saladas, simples e fartas. Com combinações do tipo jiló com cenoura. Ou purê de abóbora, com pedacinhos de alho frito nele. Presto atenção numa coluna de panelas bem areadas, mas parecendo espelhos. Limpas de dá gosto de se ver.
Do alto, lá nas vigas de madeira, um imenso tucano nos fitava. Numa queimada ele perdeu-se de seus pais e foi adotado pelo Joaquim. E ali ficou. "Só come e caga, mas é o nosso mascote e vive solto".
Ali, naquele fim de mundo de meu "Jesuis, tudo falava amor.
Tudo tinha o complexo charme do simples, pouco visível aos olhos urbanos. Tudo bem asseado e cheiroso. Deus se esconde nesses lugares para descansar da gente.
E sem som berrante. Ufa! O único som era o dos pássaros. Delícia.
O cheiro dos temperos e ervas inebriava a cozinha. Tomei logo uma dose de pinga, feita por ela com ervas aromáticas, e estalei os lábios fazendo um sinal de está muito, muito, muito gostosa.
Ela sorriu com um sorriso lua cheia de candura.
A comida foi melhor do que qualquer restaurante metido a gourmet, de São Jorge na Chapada dos Veadeiros, desses estilosos que vemos por ai.
E a comida, benza Deus de deliciosa!!!
Todo saboroso, bem temperado. E, entrar na cozinha para servir-se novamente era um barato. O sistema era de “pague e coma o que aguentar”, por R$ 35,00 por pessoa, uma pechincha já que não havia cobrança para acessar os rios.
Quando eu ia repetir o prato, provando ora uma fritada de legumes, ora uma salada de cenoura com jiló, parava pra prosear com ela.
Que paz dela emana! Que paz!
Lembrei de Dona Benta, do sitio do Pica Pau Amarelo, então
fiquei matutando. Belas são as pessoas.
Por mais esplendido que sejam um encontro de rios, nada se compara ao encontro de seres que se veem como iguais, e que se propõe a serem amigos, mesmo sem nunca antes terem se visto.
Assim foi com a Odésia e o Joaquim, parece que já nos conhecíamos a tempos.
Repeti o prato umas quatro vezes, só para entrar no recinto sagrado de sua cozinha, me servir das panelas e trocar mais um dedo de prosa.
Ela sorriu, e me alertou: “Sr. Ricardo, nessa panela é doce, não é feijão.”
Ambos sorrimos, e ela disse que o erro é comum, dado que a cor e textura do doce se parece.
Então, coloquei o feijão e soltei um: UAUU!!!
Daqueles de tão bom que daria para comer como recheio de pão.
Agradeci a Deus aquele encontro surpreendente, no meio do nada, num rancho fundo.
Almoçar na Odésia é uma experiência, tão ou mais significante do que a do Encontro dos Rios.
E, se você gosta de plantas, flores e pássaros, vai enlouquecer.
Odésia fez de cada vaso ou coisa similar que achou, um jardim.
Então, é planta, horta e flores para todo lugar.
Uma delícia. É como almoçar num jardim.
Mas, se você ficar sentado na mesa, não verá nada disso.
Tem que se levantar e conversar com as pessoas, circular pelo lugar atento, tem que ter um espírito apreciativo do bom, do belo e do virtuoso.
Na saída, já íntimos, ganhamos uma muda de planta deles.
Sei o que significa, e o valor, do gesto de quem doa uma muda de planta. Ah, como sei!
Eles queriam nos dizer que fomos aceitos e amados.
Dona Odésia e Joaquim, pacatos cidadãos brasileiros, de alma mansa, generosa e que gostam de servir.
De coração saudoso, acionei o motor do carro e parti.
Matutando comigo, vou retribuir essa muda, trazendo uma planta para ela, quando aqui vier novamente trazendo meus pais e filhos.
E, enquanto não volto, retribuo postando para vocês essa rica experiência.

Doces Memórias, para os Barros. (Por Ricardo de Faria Barros)


Acordei bem cedo e botei minha melhor roupa de apanhador de lembranças, e saí para recolhê-las nos campos do passado.
Aí, posicionei-me no jardim, e fiquei esperando o sol nascer.
Perto de meus pés, passava uma tropa de formigas, sem importarem-se com meus devaneios, seguindo ritmos de acompanhar.
Uma delas, a mais barulhenta, acenava para as outras com antenas, ensinando-lhes o caminho das melhores folhas orvalhadas.
Daquelas que enquanto se come, mata-se a sede. Delícia.
Fechei os olhos e senti uma brisa faceira acarinhar meu rosto. Senti que eu respirava. Engraçado, nem sempre sinto que respiro.
O silêncio era tanto que até podia ouvir as asas de beija-flores, tomando o café da manhã, bem nas minha costas, onde alimentavam-se de florezinhas.
Sinto-me como se estivesse num teatro, ouvindo uma orquestra em seus primeiros acordes.
Uma borboleta dá um rasante à minha frente, não está com jeito de quem acordou agora, e sim de quem vem chegando do baile.
Gosto das imensidões do silêncio. E, quando estou naqueles prados de mim mesmo, fico mentalmente catalogando o maior número de sons que vão se acordando. Faz parte do ofício de apanhador de memórias escutar os sons do silêncio.
Lá nos porões das lembranças, escuto o som de chocalhos, bem ritmados. Vovô João vem tangendo as poucas vacas que criava, e que abastecima seu lar com o leite matinal.
O quarto em que eu dormia, quando ia para o sitio de vovô, fazia divisa com o curral.
Até hoje esse som de chocalho, além do aroma de estrume de vaca, me acalmam!
Meus avós paternos moravam numa propriedade rural próxima de Juazeirinho-PB.
Lá não tinha energia elétrica e a vida era muito simples.
Pelas 20h todos já estavam dormindo, não sem antes tomarmos a sopa que a vovó fazia, ou o "angu com leite".
Aí, pelas 4 da manhã eu acordava com o saboroso som do chocalho das vacas.
Aquilo me dava uma paz tremenda. Eu sabia que vovô estava ali, ao lado de meu quarto, e que nada de ruim podia me acontecer. Afinal, vovô venceu os monstros da escuridão.
Pelas cinco da manhã o barulho de panelas entrava no quarto, junto com o cheiro de fumaça, que agora disputava com o de merda de vaca, as primícias de aroma de um dia no sertão da Paraíba.
Menino travesso, eu pulava logo da cama e ia ter com a vovó. Vovó era de muita conversa.
Vovô, de fala meiga, pausada e muito sábia. Formavam um bom par.
O sol começava a nascer e seus raios contracenavam com a fumaça na cozinha, formando uma nevoa branca, que deixava a cozinha mais parecendo com os Alpes Suíços.
O galo, sempre atrasado, dava seu ar da graça, pelas 5h30min.
E, já manhã vindoura, algumas galinhas histéricas anunciavam que pariram vida, em ninhais escondidos pelo imenso quintal.
Alguns eram descobertos, e a vovó fazia com eles uma fritada, na chapa do fogão. Misturando-os ao cuscuz, para render mais.
Aí, botava um caneco de leite para os netos, e deitava o pó de café no coador.
Agora sim, era cheiro de café, de fumaça, de leite, de merda de vaca, agora a manhã nascia realmente.
Vovô pegava uma espécie de bisaco de tecido, colocava no ombro, e saia para catar algodão. Eu ia atrás dele, como cachorrinho adestrado.
Pelas 8hrs, ele voltava com os bisacos cheios. E partia para outras tarefas. A saga num sítio não para. É cuidar tirar leite, é procurar ovos, é arar, é semear, é adubar, é cuidar das cercas, é vacinar, é alimentar a criação, é fazer ração, é ser parteiro de vaca, cabra, é selar jumentos para ir buscar água, em caçuás de madeira.
Eu acompanhava tudo aquilo com olhos maravilhados, de menino curioso e buchudo da cidade grande, que pensava que o leite nascia das caixinhas.
Pelas 9hrs saía com os primos para aventuras na caatinga. Do tipo, fazer castelos e tuneis no rio seco, que passava embaixo da ponte da linha férrea.
Era encostar o ouvido nos trilhos para sentir se o trem se aproximava.
Era pegar pedras, para atiçar os maribondos "caboclos" que faziam ninho embaixo da ponte.
E, depois correr mais rápido que um raio, tentando escapar da fúria deles, o que nem sempre conseguíamos, e aí tome choro e dor.
Atrás da casa tinha enormes árvores, chamadas de algarobas. que davam uma sombra gostosa.
Nosso lugar para planejar as "caçadas" na caatinga. Era nosso escritório.
Eu era o único, dos primos, que tinha uma espingarda 28, boa pra pegar avoantes de todos os tipos.
Aí, nos embreávamos pela Caatinga espinhenta, sentindo aquele aroma das flores da jurema, que anunciavam que haveria inverno.
A Caatinga tem um perfume que antes de morrer ainda quero senti-lo novamente. Cheira e enebria como a mulher amada.
Eu admirava a arte de andar na caatinga de meus primos. Caatinga não é mata de se perder. Eles sabiam se achar, e eu me sentia o mais forte dos moleques, andando ao lado deles.
Eu levava a espingarda, mas os fortes eram eles.
Depois de caminhar um légua, parávamos em resto de água, esperando que os avoantes chegassem.
Pelas 11hrs, eles viam tomar a pouca água daquele local. E eu, e meus primos, tirávamos a vida deles. Confesso-lhes.
Após matar uns 30, colocávamos no bisaco de couro e voltávamos pra casa, com fome. Antes do almoço, tomávamos banho no barreiro que tinha do lado da casa. Pois, não se podia tomar banho de barreiro depois do almoço, dava nó nas tripas.
Ali mesmo, no terreiro da casa, um a um íamos tratando os bichos, retirando as tripas, limpando com uma água de bacia de zinco, daquelas bem grandes.
Depois, salgávamos e levávamos uns 5 para vovó fritar. Mas, uma caçada de 30 só aconteceu uma vez. Geralmente eram dois avoantes, por légua caminhada, uns 6 km.
Naquele dia, um bando migrou e passou pelo sitio de nosso avós.
Colocávamos eles para "secarem" no alto de uma telha, vigiando para que os gatos ou gaviões não jantassem eles primeiro que nós.
No almoço vovó fazia arroz de leite, carne de galinha ou de bode, e muito feijão.
Os avoantes eram a sobremesa.
Vovô nos perguntou quanto caçamos, e, todos orgulhoso, dissemos-lhe que uns 30.
Ele perguntou quanto comeríamos no almoço, dizemos que serão cinco deles.
Aí ele nos perguntou por que tínhamos matado 30, se só comeríamos cinco?
Aí ele nos disse que alguns daqueles podiam ainda botar um ovo, no dia seguinte, e erar a vida para as próximas férias.
Só hoje tenho a compreensão da aula que vovô nos deu. Como era sábio.
Vovô nunca quis que "furassem" um poço no seu sítio. Ele disse que não queria ficar com seu título de eleitor na casa do "benfeitor". Que autonomia! Mesmo que lhe custasse andar muitas léguas, com jumentos para buscar água. Mas, ele nunca se vendeu aos coronéis locais.
Perto das 17hrs os jumentos uivavam, anunciando que o sol se ia.
E uma paz invadia o lugar. Rapidamente, para pegar a última gota de luz, tomávamos banho de cuia.
Botávamos roupa de noite, e jantávamos cuscuz com leite. Aí vovó saia acendendo os lampiões a querosene, que agora davam o cheiro da noite, e invadiam com sua luz um breu de monstros à nossa espreita.
Um galo esclerosado cantava alto, achando que era amanhecer.
As galinhas se aninhavam no alto das algarobas, com medo de raposas.
E o céu sem nuvens, iluminava-se de estrelas.
Vovô botava a cadeira no terreiro, ligava o rádio de pilha e escutava o canto da Ave Maria.
Era 18hrs, e a noite galopava. Nós, ficávamos ao seu lado, olhando para escuridão lá do terreiro de fora, esperando trem, ou brincando de ver onde a vaga-lume ia acender sua traseira e iluminar.
Em contida reverência, como admirávamos nosso avô. Até, falávamos baixinho, para respeitar seu silêncio que nos falava tanto.
Vovô entendia dos saberes do sertão, acho até que ele conversava com cada ser vivente daquele lugar.
Mania que passou para mim, a de conversar com formigas, borboletas e beija-flor, entre outros.
Ergo a vista e vejo raras borboletas azuis, ao fundo escuto JG correndo atrás de uma bola, atrás de mim sinto que vem chegando um aroma de brisa aracati, que me abraça por trás.
Olhos para os lados como quem a procurar mais lembranças. Mas elas se foram, pelos abismos de minha amnésia, e consolo-me com as que ainda evoquei.
É preciso lembrar de vez por outra vestir as roupas de apanhadores de memórias, para que elas não se esvaziem de nós mesmos.
Entro no Google Maps, acesso Juazeirinho, sigo a linha do trem, pela estradinha até o sitio do vovô.
Vejo que o Street View filmou a estrada. E faço uma maravilhosa viagem virtual. Passo pela ponte do trem, e temo os maribondos, subo a ladeira, a casa do vovô é mais acima. Aí, o Street deixou de filmar. Mas, já foi bom demais.
Até vi o rio que quase nos mata, que passava por debaixo da ponte, e que num dia qualquer uma Cabeça de Água desse por ele e nos dá um caldo. Ainda bem que éramos espertos e saímos logo de dentro dele.
E assim vai-se o dia...

Mensagem do Papa Francisco


Pessoal, essa mensagem do Papa Francisco é impactante.
Todos que passam por aperreios na vida, e creem no Senhor Jesus, deveriam ler.

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HOMILIA DO SANTO PADRE

Praça dos Mártires (Carpi)
V Domingo de Quaresma, 2 de abril de 2017


As Leituras de hoje falam-nos do Deus da vida, que vence a morte. Analisemos em particular o último dos sinais milagrosos que Jesus realiza antes da sua Páscoa, no sepulcro do seu amigo Lázaro.

Ali tudo parece ter acabado: o túmulo está fechado com uma grande pedra; em volta, unicamente pranto e desespero. Também Jesus está abalado pelo mistério dramático da perda de uma pessoa querida: «Comoveu-se profundamente» e ficou «muito perturbado» (Jo 11, 33). Depois «desatou a chorar» (v. 35) e foi ao sepulcro, diz o Evangelho, «mais uma vez profundamente comovido» (v. 38). É assim o coração de Deus: distante do mal mas próximo de quem sofre; não faz desaparecer o mal magicamente, mas compadece-se com o sofrimento, o faz seu e o transforma habitando nele.

Contudo observamos que, no meio da desolação geral pela morte de Lázaro, Jesus não se deixa levar pelo desânimo. Mesmo sofrendo Ele também, pede que se creia firmemente; não se fecha no choro, mas, comovido, põe-se a caminho do sepulcro. Não se deixa capturar pelo ambiente emotivo e resignado que o circunda, mas reza com confiança e diz: «Pai, dou-te graças» (v. 41). Assim, no mistério do sofrimento, face ao qual o pensamento e o progresso colidem como as moscas contra o vidro, Jesus oferece o exemplo de como nos devemos comportar: não evita o sofrimento, que faz parte desta vida, mas também não se deixa aprisionar pelo pessimismo.

Em volta deste sepulcro, acontece portanto um grande encontro-desencontro. Por um lado há a grande desilusão, a precariedade da nossa vida mortal que, atravessada pela angústia e pela morte, experimenta com frequência a derrota, uma obscuridade interior que parece insuperável. A nossa alma, criada para a vida, sofre sentindo que a sua sede de bem eterno é oprimida por um mal antigo e obscuro. Por um lado há esta derrota do sepulcro. Mas por outro há a esperança que vence a morte e o mal e tem um nome: a esperança chama-se Jesus. Ele não leva um pouco de bem-estar ou algum remédio para prolongar a vida, mas proclama: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá» (v. 25). Por isso diz decididamente: «Tirai a pedra!» (v. 39) e clamou a Lázaro com grande voz: «Sai!» (v. 43).

Amados irmãos e irmãs, também nós somos convidados a decidir de que parte estar. Podemos estar do lado do sepulcro ou do lado de Jesus. Há quem se deixa dominar pela tristeza e quem se abre à esperança. Há quem permanece vítima dos destroços da vida e quem, como vós, com a ajuda de Deus, remove os destroços e reconstrói com esperança paciente.

Face aos grandes «porquês» da vida temos dois percursos: ficar a olhar melancolicamente para os sepulcros de ontem e de hoje, ou deixar que Jesus se aproxime dos nossos sepulcros. Sim, porque cada um de nós já tem um pequeno sepulcro, alguma parte um pouco morta dentro do coração: uma ferida, uma injustiça suportada ou cometida, um rancor que não dá trégua, um remorso que vai e volta, um pecado que não se consegue superar. Encontremos hoje estes nossos pequenos sepulcros que temos dentro e convidemos para ali Jesus. É estranho, mas muitas vezes preferimos estar sozinhos nas grutas escuras que temos dentro, em vez de convidar para lá Jesus; somos tentados a procurar sempre a nós próprios, cismando e caindo na angústia, lambendo as nossas chagas, em vez de ir ter com Ele, que diz: «Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei» (Mt 11, 28). Não nos deixemos aprisionar pela tentação de permanecer sozinhos e sem confiança a chorar pelo que nos acontece; não cedamos à lógica inútil e inconcludente do medo, a repetir resignados que tudo corre mal e nada é como outrora. Esta é a atmosfera do sepulcro; ao contrário, o Senhor deseja abrir o caminho da vida, do encontro com Ele, da confiança n’Ele, da ressurreição do coração, o caminho do «Levanta-te! Levanta-te, sai!». Eis o que nos pede o Senhor, e Ele está ao nosso lado para o fazer.

Sentimos então dirigidas a cada um de nós as palavras de Jesus a Lázaro: «Sai!»; sai do engarrafamento da tristeza sem esperança; desata as ligaduras do medo que impedem o caminho; aos laços das debilidades e das preocupações que te bloqueiam, repete que Deus desfaz os nós. Seguindo Jesus aprendamos a não atar as nossas vidas em volta dos problemas que se emaranham: haverá sempre problemas, sempre, e quando resolvemos um, imediatamente chega outro. Mas podemos encontrar uma nova estabilidade, e esta estabilidade é precisamente Jesus, esta estabilidade chama-se Jesus, que é a ressurreição e a vida: com ele a glória habita o coração, a esperança renasce, o sofrimento transforma-se em paz, o temor em confiança, a provação em oferenda de amor. E mesmo se os pesos não faltarão, haverá sempre a sua mão que alivia, a sua Palavra que encoraja e diz a todos nós, a cada um de nós: «Sai! Vem a mim!». Diz a todos nós: «Não tenhais medo».

Também a nós, hoje como naquela época, Jesus diz: «Tirai a pedra!». Por muito pesado que seja o passado, grande o pecado, muita a vergonha, nunca fechemos a entrada ao Senhor. Tiremos diante dele aquela pedra que impede que Ele entre: este é o tempo favorável para remover os nossos pecados, o nosso apego às vaidades mundanas, o orgulho que nos bloqueia a alma, tantas inimizades entre nós, nas famílias... Este é o momento favorável para remover todas estas coisas.

Visitados e libertados por Jesus, peçamos a graça de ser testemunhas de vida neste mundo que dela está sedento, testemunhas que suscitam e ressuscitam a esperança de Deus nos corações cansados e oprimidos pela tristeza. O nosso anúncio é a alegria do Senhor vivo, que ainda hoje diz, como a Ezequiel: «Eis que eu abrirei os vossos sepulcros, e vos farei sair das vossas sepulturas, ó meu povo» (Ez 37, 12).

Missão: Educar (Autor Ricardo de Faria Barros)



Pelas 19hrs da sexta, a pilha de discos se esparrama sobre a mesa, cadeiras e áreas afins. Resolvi investir meu tempo na apreciação de discos velhos de vinil que coleciono, mais uma de minhas esquisitices. Minha emoção, ao "folhear" cada um deles, era semelhante àquela que tinha, quando olhava para as figurinhas de um álbum que colecionava. Eu sabia que em cada um deles havia um história. Em alguns, até com dedicatórias de pessoas que nem as conheço, mas que ainda sinto o amor delas expresso naquelas linhas, proferido para alguém que fora presenteado.
Noutros, que compro pelos sebos da vida, dou sorte de encontrar o encarte do disco, verdadeiras pérolas culturais.
Já na terceira latinha de cerveja, e viajando ao som do vinil de Xangai, "Que Que Tu Tem Canário". Eis que meu celular toca e é da pós-graduação, do IBMEC-DF.
Letícia pergunta-me se não irei dar aula. Perdendo os pés, e com o coração a mil, digo a ela que deve ter havido algum erro, pois que não leciono essa disciplina na sexta, e sim nas quartas. Ela se despede, pedindo-me desculpas pelo ocorrido.
Relaxo, troco o lado do vinil, coisa que só os de meia idade entenderão, abro mais uma latinha, e o celular toca novamente. Dessa vez, é o coordenador Gaspar quem me aborda, com sua classe corriqueira, e me diz que de fato a disciplina é na quarta, mas que há uma única exceção, que é nessa sexta.
Aflito, pois que não a tinha marcado na minha agenda e costumo chegar uma hora antes das aulas, peço-lhe que comuniquei aos alunos que chegarei em 30 minutos e que os libere para anteciparem o intervalo, dado que pegarei direto para otimizar o tempo.
Não precisa dizer que fiquei altamente nervoso, sou muito rígido com horários e agendamentos. Algum erro de comunicação houvera, mas não era hora de procurar culpados.
Acelerei o passo, não dava pra tomar banho, então tome perfume!
Botei um chiclete na boca, pra tirar bafão de cerveja.
Me adentrei numa calça jeans e camisa, sem perceber que esquecera até do cinto. Despedi-me de Cris que não entendeu nada, nem eu. E corri alucinado para a aula. Sorte que o material da mesma eu já tinha selecionado e estava fácil.
Descendo a escada rolante, os alunos que lanchavam na praça de alimentação, numa enorme mesa coletiva, viram-me e fizeram festa.
Foram as palmas mais bonitas que recebi, nos últimos tempos.
Como é bom ser recebido assim. Senti que sou alguém para eles. Fui lá perto deles, e disse-lhes que em 5 minutos estaria pronto para começarmos mais uma aventura do conhecimento.
Eles sorriam e negociavam comigo para a aula ser ali mesmo. Pensei, até que não seria má ideia. A disciplina se chama Negociação e Gestão de Conflitos, e eles estão ficando bons nisso. rsrs "Não se pode dar asas a cobra". cacaca
Sem cair na fala alegre e envolvente deles, pedi que pagassem suas contas logo, e descessem para a escola.
Entrei na sala de aula e respirei profundamente. Já refeito do susto, e agora já pisando no terreno sagrado da educação, recebi meus meninos e meninas para mais um caso de negociação: A Concessionária de Jeep Trolha x Eco Hotel Fazenda
E eles vibravam, a cada rodada de negociação, com um interesse de fazer babar qualquer educador, principalmente numa aula de sexta à noite, quando muitos já estão cansados da peleja semanal.
Pelas 22h40min a aula encerra, nos despedimos afetuosamente, e volto para casa nas nuvens de feliz, com a sensação de missão cumprida.

O Humano do Digital (Por Ricardo de Faria Barros)


Qual é o Humano do digital, nas Competências para o negócio e trabalho, nos tempos atuais?

Com essa pergunta, abrirei minha participação no Segundo Fórum Trilhas de Aprendizagem: Gestão por Competência em Empresas Públicas e Privadas, que acontecerá em Brasília, de 12 a 13/09/2017, produzido pela Inteletto. (www.inteletto.com

Antecipo algumas reflexões que ali serão proporcionadas. Nunca esquecerei o dia em que meu gerente perguntou se eu tinha WhatsApp, em setembro de 2013. E, até parece que foi no século passado. Olhei para ele, totalmente “ignorante" no assunto, e com a minha melhor cara de paisagem soltei um: “Uotezape o que?”, eu não sabia o que era aquilo, e estava à margem daquele mundo digital.
Chamei um estagiário que passava por perto, pedindo-lhe que me ensinasse o tal do “uot”, e aprendi.
Hoje, de meus pais à Casinha Mineira, aqui no DF, todo mundo “Uota” pra todo mundo. 
Com ele negócios são fechados, namorados namoram, famílias se reencontram, amigos interagem, e até trabalho são trabalhados.
O celular virou algo que até dá para nele se telefonar. Mas, isso deixou de ser o seu atributo principal. Quem diria!
Nessa sociedade conectada e em rede, as possibilidades de novos negócios, interação social, produção de conhecimentos e co-criação de bens, produtos e serviços, avançam a passos largos. Com forte impacto no desenvolvimento de competências, e até nos modelos de negócios, como exemplo o dos Bancos.
Sem prejuízo de outras competências, e sem querer esgotar um tema tão rico, listo quatro competências com “viés de alta” na economia digital em que vivemos:

1. Comunicação Não-Violenta - Desenvolver uma comunicação de qualidade, empática e eficaz com os outros, fazendo as devidas distinções entre: observações e juízos de valor; opiniões e sentimentos; necessidades e estratégias; pedidos e exigências. Ela se expressa também em práticas restaurativas de administração de conflitos. Essa talvez seja a mais catalisadora e humana das competências oriundas da nova economia digital.

2. Letramento Digital - Ser capaz de buscar, avaliar, criar, distribuir e operar as mais diversificadas fontes e canais tecnológicos, cada vez mais será uma das fontes de riqueza das organizações. Explorar e aproveitar as potencialidades das mídias e redes sociais, da web, das plataformas de interação e dos sistemas eletrônicos de automação produtiva virou a regra, não mais a exceção. Na sociedade digital, não há mais separação entre presencial e virtual. O negócio e trabalho acontecem em todo lugar, e a todo momento, exigindo um contínuo processo de desenvolvimento nas competências técnicas e humanas. Saber aproveitar os mais diversificados recursos de interação e de posicionamento empresarial, com uso dos canais tecnológicos, poderá fazer a diferença na competitividade empresarial.

3. Interação Produtiva Apreciativa – Seria como se pudéssemos combinar o trabalho em equipe, o relacionamento interpessoal e a produtividade. O fazer coletivo supera o paradigma do espaço x tempo, com atuações inovadoras em redes coletivas de produção de significados e labor. Ela se expressa na capacidade de compartilhar competências em busca de objetivos comuns, apreciar as contribuições dos outros, acolhendo-as e em cima delas operar, interagir positivamente com pessoas e em ambientes, e na construção coletiva de soluções de bens, produtos ou serviços maximizando a experiência do cliente. Crescerão os espaços pedagógicos de Design Thinking (um novo jeito de pensar e abordar problemas, com o pensamento centrado no usuário) na busca por inovações.

4. Artesanato do Sentido e da Resiliência Restaurativa. Equipes menores, demandas maiores, sobrevivência organizacional colocada à prova todos os dias, além de impensáveis entrantes no mercado, impacta diretamente a qualidade do ambiente no qual se configura o trabalho, e a percepção de seu sentido. Portanto, a capacidade individual, ou coletiva, de restaurar o tecido emocional positivo do trabalho, será vital à saúde do trabalhador e ao clima organizacional, com impactos na produtividade. Todos precisarão ficar vigilantes a um possível crescimento do desânimo, intervindo imediatamente nesse processo, antes que ele altere por completo a percepção e satisfação no trabalho, e até venha a degradar o ambiente laboral. Como um trabalho de artesãos, essa competência terá várias formas de se expressar, adequando-se às realidades locais. Mas, em toda as suas formas estará presente o desafio de revestir as coisas de sentido, de recuperar o vigor e ânimo, após o enfrentamento de situações-limites, restaurando o vigor e tenacidade do time. 

Nesse particular, a atuação e formação dos gestores será ainda mais vital. Para que no exercício da gestão eles possam desenvolver suas equipes, serem líderes eficazes, procedendo com suas práticas à restauração da resiliência do grupo, e a ressignificação permanente do sentido do trabalho. 

Essas quatro competências se combinam sinergicamente potencializando os resultados, uma das outras. Em resumo, os novos tempos que já chegaram, exigirão uma maior capacidade de diálogo com o diferente; aprenderes da gestão social de redes, canais e instâncias digitais que favoreçam o fortalecimento dos elos produtivos; a capacidade de criar coletivamente, tijolo a tijolo, exigindo desapego cognitivo e doação generosa de saberes; e, por último, uma nova postura gerencial, que os times passam a exigir dos líderes, como a de serem artesãos do sentido do trabalho e fomentadores da renovação da resiliência, individual ou coletiva.

Têm noites que não são para se dormir (Autor Ricardo de Faria Barros)

Como diz a canção, "uma noticia está chegando lá do interior".
Estamos a um mês do colapso total de abastecimento de água, numa cidade de mais de 400.000 habitantes, Campina Grande-PB, e que vive 4 dias de racionamento por semana.
Não sem razão, seu prefeito decretou ponto facultativo nas repartições municipais, hoje 12/4/2017 .
E, o que haverá de tão importante para tal medida?
O povo quer celebrar. E, celebrar é sempre uma ocasião importante, e tão desacostumada pela nossa gente sofrida.
Caravanas são formadas, vestidos confeccionados, bandas de músicas devidamente escaladas. E, muitas rezas, à beira daquelas águas, estão programadas. E, não é para menos, estamos só com 3% de água para os próximos dias, e já são as do volume morto.
Até a lua brindou esse encontro, tão sagrado, e previsto para essa noite. A noite em que um veio de água que sai lá dos fundões de Minas Gerais abraçará minha cidade natal.
Essa felicidade deve ter sido um pouco parecida com o frisson daquela manhã em Jerusalém, há dois mil anos atrás, quando o povo saiu às ruas para aguardar o Sr. Jesus chegar. Cada um catou algo para segurar nas mãos, abanando-as de felicidade, e vestiu-se com sua melhor roupa para receber o Cristo.
Água é vida, é renovo, é restauração, é esperança, é florescer.
Nas águas do São Francisco que chegam em minha cidade natal, e que aplacam a morte iminente, está o amor de Deus para conosco.
Ele é água, Água Viva. Que sara, liberta e transforma. Tal qual as novas águas no velho Boqueirão.
Que cuida de nós, que nos ama incondicionalmente, que nos acalma e acolhe.
Meu coração, nessa noite estará no leito daquele rio, sequioso rio, que recebe a vida.
Não será noite para se dormir.
Será noite para louvações, gratidões e eternos abraços, daqueles de quebrar os ossos de tão forte.
Abraços que ao dele nos separarmos, e olhamo-nos frente à frente, dizemos-nos, uns para os outros, conseguimos!
Vencemos a morte.
Afinal, "oh! morte, qual a tua vitória?"

Sinal de Alerta (por Ricardo de Faria Barros)

Na sociedade contemporânea, uma tríade trágica está acontecendo agora, enquanto me lê, e qual epidemia.
Ela se revela em três preocupantes expressões:
1. Uso crescente,e cada vez mais precoce, de drogas ilícitas que criam dependência química, o que é uma doença.
2. Diminuição da resiliência emocional, com aumento exponencial das depressões leves, com risco de sua evolução.
3. Aumento do número de suicídios, na juventude, motivados por jogos e disputas insanas, que circulam nas redes sociais.

Na logoterapia, de Viktor Frankl, a "tríade trágica" é definida como:
a. Sofrimento
b. Culpa
C. Morte.
Para Frankl, o ser humano propriamente dito começa onde deixa de ser impelido, e cessa quando deixa de ser responsável.
Creio que essas duas tríades hoje se combinam e criam entre si sinergias nefastas.
E, pais, educadores, líderes religiosos, mobilizadores sociais, gestores, e as mais diversas Instituições precisam atuar para deter o avanço das tríades.
Precisamos conversar com nossos filhos, e amigos, sobre esses temas tabus.
Precisamos abrir espaço para a escuta, apoiando pessoas em risco social.
Dependência, Depressão e Desistência de Viver são, hoje em dia, como as doenças da idade média foram para aquela época.
Precisamos ajudar. Precisamos entrar nessa causa, sem agredir pessoas, criminalizá-las ou julgá-las.
Apenas, estando mais presente na vida delas, revelando que as amamos.
Que queremos elas deitadas em nossos colos.
E, ali, fazer-lhes cafuné.
Precisamos oferecer a elas outros desafios, para que a vida tenha um maior sentido, bem mais importantes do que aqueles que muitos estão assumindo, para bancarem os fortes, perante seus "amigos" na rede social.
Algo precisa ser feito, e já!
E, meus amados papais e mamães, não se culpem tanto. Por melhor que seja a educação que estão dando, não esqueçam que dependendo das influências que estejam atuando nos seus amados, eles estarão sendo deseducados, paulatinamente. Portanto, continuem, não esmoreçam!
O convite é para que exerçamos o amor exigente. Para que não nos cansemos de acreditar na força do amor.
E em ser bênção para pessoas que se sentem cansadas e oprimidas. Pessoas que estão atravessando um vale de lagrimas, muitas das vezes dividindo a mesa de trabalho ao nosso lado, e fingindo que estão legais.
Preste atenção nelas. Sonde seu coração. Escute o inaudível, e nunca negue-lhes o seu abraço.
Dentro de um abraço, não há tormenta que perdure, vendaval que assole, seca que persista e amargor que resista.

Uma Segunda Mágica (Autor Ricardo de Faria Barros)

No quintal da Ânimo há um pomar. Sinto uma paz tão grande nele, como se adentrasse o do Sítio do Pica Pau Amarelo, descrito nos livros de Monteiro Lobato.
Nele, habitam dois pés de cajá, bem altos, um coqueiro, um tamarindo, uma graviola, uma pitanga, um cajá-manga, uma laranja e um abacateiro.
Correndo por fora, nascido quase ao lado do de cajá, havia um de jamelão.

Por que havia, Ricardo?
Eu jurava que era um Jamelão, aquele que dá uma frutinhas como se fossem azeitonas pretas, com o interior carnudo e que mancha tudo com a cor violeta.
Até que o jardineiro me falou que não era jamelão. Ele me disse que se trata de "um pé de Cravo da Índia".
Uauuu!!! Nunca tinha visto um pé de Cravo da Índia.
Sei que por ele travaram-se batalhas, sendo uma das especiarias mais cobiçadas no comércio da idade média.
Sr. Manoel apontou para o alto da copa e me mostrou umas frutinhas, que ainda havia, restos da última safra.
Notando minha cara de espanto, pegou uma folha e pediu que eu a mascasse.
Uauuu!!!
Era mesmo que estar comendo um dente de Cravo da Índia, de sabor inesquecível.
Hoje pela manhã, após a sessão com meu paciente, convidei-lhe para conhecer o pé de Cravo da Índia.
Afinal de contas, não é todo dia que conhecemos algo de novo.
Ele me seguiu com uma disposição de adolescente, antevendo uma nova aventura.
Chegando lá, fiz a mesma cena de Sr. Manoel, com a diferença que não mais avistei as frutinhas no alto da copa.
Dei-lhe para mascar uma folha, e seu sorriso abriu num sol riso, como que maravilhado ele soltou um: “Não é que é mesmo!”
Agora, enquanto digito essa crônica, masco um pedaço de uma folha que trouxe do quintal. Ela perfuma, refresca, dá uma sensação de liberdade.
Delícia.
Voltando com ele para a sala da Ânimo, um beija-flor nos encara.
Coisa mais linda do Pai, ele fica dando rasantes à nossa frente, como que a querer brincar conosco.
Eleva-se um pouco, até a altura de nossa visão, e numa fração de segundos nos cumprimenta, partindo faceiro para um enorme Bourganville lilás que emoldura a lateral de nosso quintal.
Ficamos uns instantes extasiados. Nas nossas bocas o gosto do cravo, em nossos corações o sabor do encontro com o beija-flor. Convenhamos, não é todo dia que um beija-flor está para papo conosco.
Ao chegar em casa, deparo-me com minha amiga borboleta, de asas inconfundíveis, sei que é ela.
Você deve estar sorrindo, tentando adivinhar o que andei bebendo, comendo ou cheirando. Risos.
Nada, nada, nada!
Só vida. Dessa ando comendo, bebendo e cheirando muito.
Minha borboleta está nas flores da Sempre-Viva. Aproximo-me dela, a cumprimento, e vejo suas asas um pouco dilaceradas, pelo ocorrido ontem. Então é ela mesmo. Aquele corte na asa foi quando a resgatei.
Deixa eu lhe contar.
Ao chegar da feira, comecei a colocar na mesa da cozinha as mercadorias que comprei: macaxeira, melancia, laranja e, ao desviar minha vista para o chão, vejo uma borboleta ali deitada.
Com delicadeza, pego-lhe pelas asas, e sinto que ela ainda vive.
Coloco-lhe bem devagarinho numa flor.
Fico na torcida, que ela se levante daquele sono. Que ainda esteja viva.
Não sei desde de quando ela ficou presa na cozinha. Então, lentamente ela vai reagindo. Abre as asas, meche as antenas, como que a me agradecer.
Depois, fica uns minutos ali pousada, posando para minhas fotos. E então levanta vôo.
Fico feliz da vida. Como ela veio parar na cozinha? Não sei.
Mas, sei que cozinha não é lugar para borboletas. Borboletas são livres, pedem polinizações amorosas para cumprirem seu legado.
Borboletas gostam de flores, de preferência das de cor laranja, aí elas enlouquecem de desejo pelo néctar delas.
Por isso comprei uma roseira laranja, para elas.
Deve ser algo místico, ou ando ficando velho, ou sentimental demais, mais confesso-lhes que me emocionei com a presença dela.
Acho até que ela me reconheceu, pois espevitou-se toda.
Masco minha folha de cravo.
E relembro do amigo beija-flor e de sua parada para encarar meu ser.
Que segunda mágica!
Agora, vou ali buscar o JG na escola, e contar-lhe sobre essas coisas.
Acho que ele irá gostar.

Para além de nós mesmos, a vida também acontece, e em todo lugar. É só prestar mais atenção! E agradecer.

5 Segundos Adiantado (Autor Ricardo de Faria Barros)


Numa terça em que não dei aula, acabei voltando mais cedo para casa, e vim escutando a Voz do Brasil, uma de minhas esquisitices.
Estava com uma dor de cabeça infernal, coisa que não tenho, e para desparecer sintonizei numa Rádio AM que gosto. Outra de minhas esquisitices.
Após uns 20 km, o sinal dá começou a ficar ruim e mudei para a FM. Aí percebi uma coisa misteriosa.
O Programa na FM, repetia tudo que eu acaba de ouvir na AM, pelo menos uns 5 segundos.
E fiquei brincando de Deus. Botava na AM, e virava pra FM. Até esqueci a dor de cabeça.
Como assim?
Eu descobri que o sinal da Rádio AM chega mais rápido do que o da FM. E, esse mesmo fenômeno, acontece também entre os sinais Analógico e Digital da TV.
O gol do Fluminense, na TV analógica chega primeiro. Pena que esse sinal está sendo extinto.
Fiquei matutando, se nas vezes em que fiz uma coisa de que me arrependo, se eu pudesse ter tido acesso aos 5 segundos posteriores, compreendendo qual seria o impacto daquilo no futuro, se não teria sido melhor, pois eu poderia fazer diferente.
Tipo assim, como os jovens falam por aqui, uma máquina de antecipar em 5 segundos o que vem pela frente, para que pudéssemos alterar rotas ou intenções de ação.
A cabeça latejou, lembrando-me que existia.
E disse não!
Não quero essa máquina de ver o futuro, essa espécie de Rádio AM, antecedendo o que vem por aí. Acho que não podemos mexer no futuro, sem alterar todo o sistema.
Imagine que você ouve, nessa espécie de aparelho que criei, que uma bala perdida vai atingir seu carro.
Aí, você freia bruscamente, fazendo com que o carro que vem atrás do seu sofra um sério acidente. Que não teria sofrido, caso você não tivesse escutado seu futuro, dos 5 segundos, e freado.
A vida acontece mais ou menos, como quando enviamos mensagens pelo WhatsApp, o que fazemos no presente deixa marcas no futuro, que não podem mais ser editadas, ou deletadas.
Lembro de um monte de coisas que não faço mais. Que se pudesse retroceder as fitas, ahh como seria ruim.
Como assim Ricardim?
É pessoal, nem quero uma máquina de antecipar o futuro, nem de retroceder as fitas.
Isso tiraria de mim o livre arbítrio, e a capacidade de viver com responsabilidade e autonomia o tempo presente.
Tiraria a liberdade de vir-a-ser.
Não, não quero!
Embora pudesse concertar um monte de coisas, isso me daria uma falsa sensação de que na vida tem aquela tecla de atalho que volta ao que digitamos antes, após ter digitado algo errado, ou excluído algo sem querer.
E a vida não tem teclas de atalho.
Ou seja, nem dá para voltar ao passado e arrumar as coisas. Nem dá para fotografar o futuro, e alterar as cenas dele no presente, sem estragar todo o filme da vida que a essa cena se conectará.
E isso é maravilhoso!!!
O presente é o que temos para hoje.
É no presente que emitiremos nossas vozes que ecoarão na eternidade.
É no presente que teremos consciência de nossas ações, do impacto delas sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre a realidade, podendo com essa consciência crítica mudarmos a nós mesmos, a eles e à “natureza das coisas”.
Não é legal?
Uma reação minha descontrolada, no passado, e que magoou alguém, sobre ela eu não tenho mais controle. Não posso voltar as fitas.
No máximo, posso me arrepender, pedir perdão, e aprender com o ocorrido para não mais repetir aquele proceder.
Então, meus queridos leitores, nós temos sim uma Rádio AM que nos antecipa sobre o futuro.
Ela se chama consciência. Que desenvolve o discernimento e uma certa previsão do que pode ocorrer, novamente, se repetirmos os mesmos atos que fizemos no passado, e que não deram certo.
Não é maravilhoso?
Passamos a nos sentir bem mais responsáveis pelo aqui e agora, pois é de presente e presente que o futuro vai se moldando e que o passado vai virando a nossa história, vai sendo deixado nele o nosso legado.
Muitos chamam essa rádio AM, com avanço de 5 segundos em relação à FM, de Sexto Sentido.
Eu chamo esse fenômeno de sensibilidade emocional.
O famoso “Se Mancol!”
É quando a vozinha interior nos diz: “Cuidado, não proceda assim, se acalme, pode dar merda, lembra?”
E vamos crescendo, nessa maravilhosa aventura de viver. Crescendo em humildade de reconhecer nossos erros, aprender com eles e mudar.
Crescendo em novos aprenderes, de coisas que embora parecidas que estamos vivendo, as conduziremos de forma totalmente diferente.
Crescendo no escutar e no prestar atenção, de nossas vozes e ações no presente, entendendo que serão eles que reverberarão e moldarão um lugar que chamamos de destino.

Bendita dor de cabeça!

Ela fez cair a ficha que me diz: Você é inteiramente responsável pelas ações cujo controle depende única e exclusivamente de seu acontecer. Portanto, não terceirize sua existência; nem ache que a vida voltará pra que você possa fazer novamente. Nem voltará, nem adianta querer ver como será o amanhã.

Para viver uma vida que vale a pena ser vivida, tem que se aprender a degustar o hoje: seja ele doce ou salgado, frio ou quente, duro ou macio...
E, nesse degustar, aprender a valorizar o que realmente tem importância, a ter coragem para mudar o que realmente pode mudar, e serenidade para conviver com aquilo que não dá para alterar. E, muito discernimento para entender a diferença entre uma coisa e outra. Como disse Francisco de Assis: “Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado... Resignação para aceitar o que não pode ser mudado... E sabedoria para distinguir uma coisa da outra.”

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