Não era só um IPTU.



Ela adentrou a sala entusiasmada. Se o que dizem, que quem se entusiasma tem Deus dentro de si, for verdade, ela O tinha - e jorrando em luz.
Parei tudo que fazia, contemplei aquele semblante sorridente, e soltei um: "O que houve Paulinha?"
Recebi meu IPTU!
Não entendi nada. Quando recebo o meu choro, e nunca fiz festa com ele.
Ela não, ela ria de chorar. Sabe quando rimos de chorar?
Pois bem, Paulinha ria de chorar.
Disse-me que há 15 anos estava inscrita no programa de habitação do GDF e que só agora, com o "IPTU" na mão, sabia que o apartamento que recebeu, pelo Programa Minha Casa Minha Vida, lá no Riacho Fundo II, era de fato dela.
Aquele pedaço de papel, para ela, representava muito.
Era a materialização de um sonho.
Ela me deu a honra de abri-lo.
Pediu-me explicações de como pagar. Leu cada letrinha.
Aquilo mais parecia um bilhete de amor, de tanta ternura com a qual ela o contemplava.
Falou-me que iria esperar o pagamento para pagar a 1º parcela, de uns 40 e pouco.
Disse-lhe, a primeira é minha, será uma pequena contribuição para teu lar. Entrei na cta e fiz o pagamento. Depois, ela trouxe-me o recibo impresso, já dentro de uma pastinha. Com o título IPTU, e uns corações nela nela grafados.
Nunca mais olharei meu IPTU com raiva. Feliz de quem o tem para pagar. Foi isso que na simplicidade da Paulinha ela me ensinou.
Ensinou-me sobre a arte de ser grato, de valorizar o que nós temos.
Tanta coisa irrompeu em meu coração, naquele fim de tarde, que posso dizer-lhes que a paz invadiu meu ser.
Lembrei-me que pela primeira vez fui ao parque vivencial do Lago Norte, que sempre via do outro lado, no acesso pelo início da W3, sentido Plano, e nunca tinha ousado ir.
Fui e dei valor. Como o IPTU da Paula.
Experimentei ousar a agenda apertada, desviar-me da rota rotineira, e partir em busca do desconhecido.
Mirei para o Lago Norte, e logo na entrada vi a placa do Parque. Desci e nele adentrei, assombrado com tanta beleza que por mim passara despercebida , há quase 20 anos. Ao lado do caminho que faço costumeiramente, pelo menos desde 2010.
Têm muitas coisas IPTUs em nosso viver. Coisas que podem ser celebradas, vividas, experenciadas, permitidas e ousadas reescrevê-las em novos sabores, aromas, sentidos e cores.
Quem fotografasse meu rosto, ali perto das 14hrs de ontem, caminhando por entre árvores de um lado e o lago do outro, veria a mesma luz da Paulinha.
A luz do encantamento de quem celebra a vida, quer em forma de conquistas, quer em forma de gratidão por encontrar mais um infinito particular, em meio à selva de pedra.
Às vezes as coisas estão tão fáceis,acessíveis e comuns que já não as valorizamos.
As temos como para sempre, perdemos o olhar de referência, a perspectiva das coisas, que nos dá o diferencial para analisar onde estamos, o que somos, e em que já evoluímos.
A alegria da Paulinha, recebendo uma conta; além de meu encantado assombro, ao caminhar no Parque, pela primeira vez,
fala das coisas boas da vida, que para vê-las, precisamos resgatar a nós mesmos, mofados ou cheios de pó num canto qualquer da jornada do existir.
Ver-nos em perspectiva e referencial para com a própria vida, para que não nos deixemos murchar pela rotina, que diz que tudo é para sempre, falsamente, nos iludindo a achar que somos poucos, menos ou inferiores.
Ou, anestesiando em nós o sabor da vida, abrindo as feridas - verdadeiras chagas vivas de reclamações, rabugices ou pessimismo, em nosso viver.
Paulinha entra em minha sala, e diz que outras pessoas do prédio dela receberam também, mas que só ela fez festa. Os outros xingaram o valor do imposto. Ou não comentaram nada.
Aí disse-lhe que já tinha visto isso muitas vezes em meu viver, acompanhando muitas pessoas em seus estágios de crescimento.
Pessoas que conquistavam o Olimpo, em termos de remuneração e segurança no trabalho no Brasil, e que anos depois mais pareciam que viviam no inferno. Afinal, temos o céu e o inferno em nossa mente, a escolha é de qual deixaremos com fome, para que não cresça.
Falei-lhe que todos os dias pergunto a um monte de pessoas:
Onde está aquele jovem que após os primeiros meses de trabalho, de casado, de pai, de titulação era tão esperançoso e otimista com a vida, publicando isso em torrentes de gratidão?
E, no corpo delas escuto a resposta. Não mais se percebem como tal. Passam a viver a vida como quem fica ruminando algo ruim na boca. Infelizmente, em alguns casos, só darão valor quando perderem. Aí verão o quanto aquilo era bênção.
De minha parte, quero continuar assombrando-me com novas descobertas, novas pessoas, novas conquistas, sem nunca perder o olhar de referência e perspectiva social. Sempre dizendo, a cada manhã, obrigado meu Deus - já cheguei longe demais, em lugares e conquistas que jamais sonhei. E, a maior delas, os meus 4 filhos, amigos e presentes em meu viver.

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