O encanto de fazer coisinhas para o outro; de gostar das coisinhas que o outro faz; e, de fazer coisinhas juntos.


Chego ao trabalho cedinho e procuro logo os “invisíveis”, que trabalham no andar, para conversar com eles. Gosto de saber de sua rotina e de como estão.
São pessoas batalhadoras que dão nó em pingo d´agua na arte da sobrevivência; esses sim, podemos chamar verdadeiramente de guerreiros, quanto aos outros são apenas Big-Brothers. 


Mislene é uma delas. Ela é a telefonista da Diretoria e tem fornecido boas histórias de vida.
Afinal, considero-me um garimpeiro de pessoas-luz. 


A história dela, desse último final de semana, dá um filme. Na sexta à noite, ela percebeu que o seu marido, o Edson, estava encafifado e triste num canto da casa. Perguntando-lhe a razão, ele lhe falou que o serviço de cobertura da varanda não ficou bom. “Quando chovia estava molhando, com goteiras.”. E olha que por aqui no DF tem dado umas chuvas grandes. Edson revelou que o ângulo declive da cobertura ficou muito pequeno, o que ocasionava as goteiras. Sei como ele se sentiu, ficamos tristes quando uma obra de construção civil não sai nos conformes.
Ele disse a Mislene que no sábado iria logo cedo contratar um pedreiro, ou um ajudante para refazer a obra, numa espécie de plano b, colocando outro tipo de telha - mais apropriada ao baixo ângulo nível da coberta (daquelas de Eternit). Ele não queria ter que quebrar a parede toda, já preparada para aquele tipo de cobertura.
No sábado ,ele acordou cedinho, comprou um lote de telhas de outro tipo, e saiu em busca do profissional de construção civil. Perto das 10hrs volta desanimado. Não achou nenhum disponível, todos estavam ocupados.
Mislene, vendo seu abatimento, perguntou-lhe: “E agora?”.
Ele respondeu-lhe: “agora é com a gente mesmo, tu me ajuda?”.
Ela disse-lhe: “Claro, então vamos embora logo, vou chamar os meninos e num instante a gente destelha”.
A partir daí eu queria uma câmera para filmá-la, ou um gravador, de tão expressiva a narração a que tinha acesso.
Ela ia descrevendo a cena e eu ia orando de tanta gratidão por ter tido acesso a tanto amor, em forma de família que faz as coisas juntos.
O filho mais velho, o Gabriel (15) ficou em cima da coberta, por ser mais leve. A coberta não era alta, imaginem uma “latada” que protege um quintal e lavanderia, era mais ou menos assim, e de lá jogava a telha para seu pai segurar.
O Edson a agarrava, como um bom goleiro, e passava para Mislene que a empilhava num canto: “Essa telha é cara e chique, tipo Tergula, e servirá para quando cobrirmos o beco da casa.”
Era uma alegria só. A Gabrielle (8) acompanhava a mãe na arrumação.
E a família junto, divertindo no telhado, construindo vínculos e interações importantíssimas ao cultivo do amor.
A cada “agarrada” da telha, feita pelo “goleiro” Edson, a família vibrava como quando vibramos quando nosso goleiro pega um pênalti.
Quanto à Mislene, era assumiu o papel de arrumá-las meticulosamente empilhando-as num canto do quintal.
Serviço feito, agora o Edson trocou de lugar, subiu no telhado para refazê-lo com as outras telhas. Agora eram os meninos (Gabriel, 15 anos e Gabrielle com oito anos) que pegavam as telhas novas, numa espécie de corrente, e iam passando de mão e mão até chegar à Mislene, que improvisou uma espécie de escada rolante, para fazê-las chegarem ao Edson, trepado no telhado.
Perto das 15 horas, a família estava feliz e orgulhosa, com o telhado refeito.
Mislene disse que só faltava a chuva, ao que o Edson providenciou com uma mangueira. Todos foram para baixo da “latada”, de 6m x 4m, e comemoraram. Afinal, não caíra nenhum um pingo sequer.
Depois do almoço, um “frango de padaria”, Mislene lembrou-se que tinha esquecido completamente que à noite seria sua formatura do curso de Secretariado Executivo pela Uninter-DF.
Edson falou: e agora? Mislene, nem respondeu e foi logo gritando: “Gabrielle, pega a caixa de manicure de mamãe!”.
Contou-me que rapidinho fez as unhas e foi tomar banho para não perder a festa. Não fez biquinho, não culpou o Edson de ter tirado sua concentração e preparação para o dia. Não ficou lastimando-se e resmungando não ter ido ao cabelereiro.
Simplesmente chamou-lhe para irem juntos, ao que logo a Gabrielle se inscreveu também. Mesmo cansados, afinal entre as que retiraram e as que colocaram foram 1280 telhas (16 telhas por m2) eles não perderam o humor.
Ela contou-me que chegou quase na hora, no local mesmo alugou sua beca e aproveitou a máquina do Edson pra fazer umas fotos: “estava muito caro as que colocaram no evento pra fazermos”. Fez o juramento toda orgulhosa e se emocionou, como os simples se emocionam ao conseguirem coisas boas da vida".
Na saída, Edson chamou para comemorarem com uma pizza lá na Ceilândia, onde moram, uma das Cidades Satélite de Brasília. Mislene lembrou-lhe que o Gabriel ficara em casa, pois alegara cansaço, e que era melhor comprarem uma pizza de supermercado e fazerem em casa. Dito e feito. No outro dia o Edson animou-se e foi rebocar as paredes da varanda do quintal. Mislene saiu cedo e comprou uns bifes, “daqueles que pode assar na churrasqueira elétrica, pois eu estava muito cansada para acender fogo de carvão”. Puxou extensão, botou os bifes pra assar, umas cervejinhas por perto, e ficou ao lado do Edson dando apoio moral e sonhando juntos com os novos projetos que farão. Os filhos ficaram ao lado, ora contemplando a mãe, agora uma Secretária Executiva, ora contemplando o infinito das telhas que tinha colocado.
Serão felizes, estava escrito ali no alto!
Essa história da Mislene coroou um final e semana no qual tive acesso a várias células-tronco do amor, aquelas que mantém a chama acessa de qualquer relacionamento. Não necessariamente entre parceiros afetivos.
Essa célula-tronco chama-se capacidade de vinculação e envolvimento com o mundo do outro. Com as coisas que o outro faz. Uma capacidade regeneradora e emancipadora da força do amor, que o mantém sempre em “cultivamento”.
Foi o que um casal de pesquisadores descobriu sobre relacionamentos sustentáveis e duradouros. John e Julie Gottman, chamam de “The sound relationship house” – algo como “A casa do relacionamento saudável.


Os oito elementos – sustentáveis para uma relação duradoura e legal, segundo pesquisadores, também achei na Mislene e seu Edson, veja:

a. Aprofundar o conhecimento mútuo
b. Cultivar a afeição e admiração;
c. Estar voltado um para o outro;
d. Nutrir uma perspectiva positiva da vida;
e. Gerir os conflitos eficazmente;
f. Transformar sonhos em realidade;
g. Criar significados satisfatórios na vida em comum;
h. Confiança e comprometimento com o outro.


No limite, tudo pode ser resumido em três atitudes: envolver-se com aquilo que outro faz, fazer coisas juntos e fazer coisas para o outro.

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