Gente Boa


Alguém te inspira a ser melhor, e te faz acreditar que num outro amanhã possível?
Se tem uma pessoa que me inspira, e sempre que converso com ele saio melhor, é o "Gente Boa". Esse é o apelido que recebeu dos demais feirantes. Olhe para esse senhor da foto e o que vê nele?
Eu vejo uma gente boa.
A vida dele por si só daria muitas crônicas, de segunda à sábado Gente Boa investe parte de seu tempo, e os parcos recursos de aposentado, para jardinar na praça e a calçada de frente à sua casa. Com seu velho fusca transporta, por conta própria, mudas e adubos, e cuida dos canteiros como se fossem de sua casa.
Noutra parte do tempo, e quando aparece serviço, ele investe na lanternagem e pintura de veículos, numa rudimentar oficina nos fundos de sua casa.
Nos domingos, madruga na missa e depois faz a feira em São Sebastião. Nunca o vi reclamar de nada. Sempre sorrindo me diz: "Sr. Ricardo, a vida é boa, nós é quem complicamos".
Ele não é produtor rural, mas compra no atacado algumas mercadorias e enche sua banca para comerciar.
Esse semblante risonho o acompanha por todo ofício domingueiro. Eu miro em seu rosto e sorvo de sua vida. Ele é um de meus rejuvenescedores domingueiro.
Já vi Gente Boa vender de tudo. Mas, suspeito que o que ele quer mesmo é ocupar-se. Quer mesmo é relacionar-se com outros feirantes e alguns poucos fregueses. Tem domingo que é jaca que ele traz. Noutros, mangas. Noutros, ataca de tudo um pouco. Trata-se de um feirante cujo semblante me inspira. Da mesa em que tomo meu café, ao fitá-lo, fico pensando o que nos falta para acariciar a vida, como ele o faz? O que nos falta para melhor viver a vida? O que nos faz para sermos gratos pelo que temos? No lugar de sempre ansiosos e aflitos pelo que não temos?
O que anda nos faltando, e nele sobrando, para nos fazer olhar também para o horizonte com olhos de eternidades?
Não poderia deixar passar o Gente Boa, sem apresentá-lo a vocês.
Ele nos motiva a contar nossas bênçãos, a abrir um sorriso e dizer: amar, viver, valeu - como aquela canção.
Mesmo e apesar das dificuldades e desafios do frágil processo de tornar-se a ser.
A vida anda carente de Gentes Boas. Quando os encontro os eternizo em crônicas. Têm um monte deles no Blog Bode com Farinha. São meus professores de bem-estar.
Então, esse é um convite que te faço, e que faço a mim mesmo, que tal olharmos para o futuro com o semblante do Gente Boa?
Cheio de ternura e esperança, quase fazendo uma carícia na vida. Que tal mais doçura, fé, esperança e poesia em nosso viver?
Que tal, por um instante mágico, e místico, sermos para o outro que se nos aproxima, um Gente Boa. Fornecermos a ele uma injeção de ânimo, uma lufada de otimismo, uma chama de infinitos, em forma de nós mesmos.
Talvez, ao teu lado, esteja alguém precisando de uma palavra de estímulo, de um afago na alma, de um cuidado atencioso, de um olhar que o toque com o toque de Midas, que o valorize tal o ouro da mitologia.
Que tal estendermos uma colcha de retalhos, na calçada de nossa vida, e sobre ela colocarmos nossos dons e talentos para que os outros deles possam se servir, possam de nós usufruir do bom, belo e virtuoso: generosamente, amistosamente e amorosamente?
Que tal sermos gente boa?

Amor em três atos


O primeiro ato do amor chegou até meu coração quando percebi a camaradagem que existe no casal, que mora vizinho ao meu lar. Deixa eu contar-lhe melhor como descobri isso.
Numa das minhas caminhadas pós-expediente, deparo-me com pequeníssimos cajus avermelhados, antes muito comuns às áreas de Cerrado.
Hoje são muito raros. Elas não se prestam à atividade econômica, pelo seu diminuto tamanho, e são vítimas fáceis dos tratores que aplainam tudo para pavimentar terrenos e edificações.
São quase bichinhos de estimação da natureza, mimosos e suculentos, chamados de cajuzinhos do Cerrado
Então, decidi que voltaria ali amanhã, com a máquina fotográfica e uma escada para colhê-los.
No outro dia, os colhi do alto da barreira. Não sem antes documentá-los para posteridade.
Chegando em casa, guardei os suculentos pedúnculos na geladeira, para um tira-gosto da melhor qualidade, num sábado prazeroso e vindouro.
Quanto às castanhas, as deitei sobre terra macia, em dez vasos especialmente preparados, para que neles germinassem.
Tempos depois, ao chegar do trabalho, fiquei muito feliz ao ver que nove sementes vingaram, e delas cresciam frágeis e inseguras hastes de um verde que teima a morte.
Era a vida que se propagava.
Enquanto mirava as tenras e pudicas folhinhas, despindo-se de suas castanhas, escutei meus vizinhos conversando.
Miro o olhar e vejo que eles estão plantando uma árvore qualquer.
Admiro-os. Estão plantando juntos, e sob um sol desafiador. A vizinha não se intimida com a enxada e cavouca a terra. Seu esposo vem com um saco pesado de terra vegetal e deposita sobre o buraco, recém-aberto.
Já observo esses vizinhos há algum tempo. Primeiro, chamou-me minha tenção o fato de aos sábados eles lavarem o carro juntos.
Depois, observei que também caminham juntos. E, de quebra, passam bons momentos na pequena piscina que fizeram, conversando e relaxando.
Para completar, outro dia indo ao trabalho fraguei que o carro à minha frente era o deles, e vi que também vão juntos ao trabalho.
Devaneios à parte, tomei coragem e fui visita-los, levando quatro de minhas mudas de cajuzinho para presenteá-los.
Se alguém merecia recebê-las seria aquele amoroso casal.
Descobri que estão casados há oito anos.
Não era então fogo de palha de início de relacionamento. Era coisa duradoura.
O que mais tenho visto por aí, inclusive por aqui, são sintomas de solidão a dois, ou em família.
Cada um no seu tablet, mundo, TV, celular ou envolvidos em mil afazeres domésticos, tocados no modo solo.
Cada um no seu infinito particular.
Esse casal não.
Eles descobriram um jeito de criar encontros entre si, de cultivar proximidades: seja plantando, seja lavando, seja relaxando ou dirigindo.
Encontraram uma das chaves de relações duradouras e significativas: o companheirismo.
Para ser companheiro é preciso abrir agendas comuns.
Tem que aprender e querer tecer partes do tecido da sua vida, com o outro.
Sempre que volto do trabalho, e passo em frente àquela casa, sinto-me impelido a pegar uma enxada e chamar minha mulher para cavoucar a terra.
Sem querer, eles me ajudaram a perceber que minha vida a dois precisa de intimidade e cumplicidade.
De mais nós, fazendo coisas juntos.
Do que coisas juntas, fazendo nós.
No segundo ato do amor entra em cena a admiração pelo amado, pelo querido ou gostado. Evoco uma cena recente. Eu estava tirando foto do JG (João Gabriel), no presépio de uma praça central em Londrina, quando uma senhora cadeirante me abordou. Ela pedia ajuda para registrar a foto dela, com o seu filho, à frente do presépio.
Disse-me que seu filho tinha um pouco de “leseira mental” e que não sabia usar a câmera do tablet que ganhara de natal.
Fiquei solidário e fucei tudo, no aparelho, até achar a função correta e documentá-los para eternidade.
Fiquei estupefato coma cena. Ela cadeirante, ele com sequelas de uma paralisia cerebral que sofrera ao nascer, mas ambos encontrando-se num enquadramento de foto e sorridentes com a perpetuação de seus momentos a dois.
A expressão dela para ele era de pura admiração. A dele para ela, idem.
O tempo parou para aquele encontro de mãe e filho. Toda orgulhosa ela não se cansava em voltar as fotos e ver como ficaram.
Ofereci-me para fazer outras fotos, de mais cenários natalinos existentes na praça e a festa foi completa.
O segundo cântico de amor é a admiração. Quem admira o outro, deixa ele crescer em seu coração. Tem relacionamentos que se perderam no caminho por falta de admiração ao que o outro tem de bom. Desaprenderam a perceberem-se nas bonitezas da vida e só filtram, e selecionam, o que o outro tem de ruim, de não atendimento às suas expectativas.
Relações toxicas e doentias que se destroem mutuamente de tanta agressividade e “desadmiração”. Quem leu a biografia de Stephen Hawking, um dos maiores físicos da humanidade, viu o quanto de admiração sua esposa tinha por ele, e ele por ela.
Admirar-se é se interessar pelas coisas da vida do outro. É encantar-se e assombrar-se com a vida dele. Admirar vem do Latim ADMIRATIO, que veio do verbo ADMIRARI, “espantar-se”, formado por AD-, “a”, mais MIRARE, “espantar-se com, admirar”, de MIRUS, “maravilhoso”. O segundo canto do amor falar de abrir o coração para que o outro, na sua porção MIRUS nele habite.
Se o primeiro ato, ou chave, do amor é a Cumplicidade, e o segundo a Admiração, qual então seria o terceiro?
As mesmas pesquisas sobre as bases de relacionamentos significativos, que extrapolam os de casados, podendo ser também entre amigos e familiares, indica a generosidade como sendo o terceiro ato, ou chave - quase como um elemento constituinte.
Generosidade é um dos valores mais difícil de se definir. Afinal, em suas práticas se misturam com: bondade, doação, gentileza, cuidado, solidariedade, empatia, colaboração e compaixão.
Então, a generosidade é um valor-mãe - daquele que nele cabe um monte de outros valores, como os acima, mas todos com o mesmo enfoque: o de tornar a vida do outro um pouco melhor, mesmo que seja só investindo tempo em escutá-lo.
Quem pratica a generosidade quer o bem do outro. Despoja-se de si mesmo, abrindo-se ao encontro misericordioso com o próximo. Quer vê-lo feliz e bem. Desapega-se de si mesmo e se doa em mimos valiosos para o outro. Nem sempre materiais, aliás, quase nunca.
Sabe aquela noite gélida na qual você acordou para cobri-la adequadamente?
Sabe aquele seu cachorro velhinho que você ainda leva para tomar sol e o alimenta pacientemente?
Sabe aquele filho que te liga para ir buscá-lo na casa de um amigo, no meio do jogo de futebol e seu time preferido, e você vai?
Tudo isso são gestos generosos.
Hoje estava preparando um relatório e eis que adentra minha sala a Dona Estela, ela me dá um copinho com umas bolachas e me diz: “Trouxe para o Senhor, são bolachas de goma, de sua região”.
Quanta honra e que gesto generoso de Dona Estela. Quem recebe um gesto generoso fica rindo a tôa, e sabendo o porquê.
Sente-se percebido no meio da multidão. Sente-se valorizado e individualizado em suas necessidades.
Enfim, sente-se amado.
Precisamos voltar aos bancos de escola, da mãe-vida, para reaprendermos a ser mais cúmplices de nossos amigos e amados; ter para com eles mais eventos de admiração e menos de reclamações, e abrir janelas de oportunidades para a generosidade, sem querer nada em troca, só por se sentir melhor em fazer o outro feliz.
Seu Fritz vai passando pela calçada de minha casa. Apresso-me para cumprimentá-lo. Trocamos confidências cúmplices, daquelas que só fazemos quando nos percebemos irmãos de ideais. Seu Fritz admirou a obra que fiz no jardim de casa, duplicando a capacidade da fossa séptica. Por fim, me diz que tem umas mudas de banana d´água e pergunta-me se as quero. Digo-lhe que sim. Ali aconteceu, naquela calçada os três atos do amor.
Continuamos trocamos confidências urbanas e nos encantando com as formações de chuva que se espelhavam no horizonte. Então, lembro-me que ainda tenho 5 mudas do cajuzinho, e vou buscar duas delas para lhe presentear.
Os três atos constituintes, ou chaves, para a manutenção do amor precisam ser distribuídos e vividos, muito mais do que guardados e racionalizados.
Desse agir revolucionário, no cotidiano de uma sociedade excludente, individualista e excessivamente consumista, na qual tudo vira mercadoria, brotarão a paz e o bem-estar.
Um agir que nos desafia a não nos deixar apodrecer, na mesmice e mediocridade dos tempos presentes. Desafia-nos a germinar novas possibilidades do ser, na semeadura de cada encontro.

Resgate Pessoas na Caixa de Spam de Seu Coração


"Ricardim, estou arrasado(a) mandei 14 votos de feliz natal para meus amigos, semana passada, e só recebi 4 de volta".
Amiga(o), 
Não se preocupe com isso.Você pode ter caído na caixa de spam da vida dele(a).
Sua atitude é suficiente, não faça nada esperando em troca.Embora seja bom receber.
Então, quando você fez algo, esperava algo, e nada... e nada..
Vasculhe a caixa de spam dele(a), pode estar lá a razão.
Aquele gesto que esperava em retribuição, pode estar lá arquivado.
Você pode ter sido filtrado, pelo pior dos filtros, o da indiferença e foi direto para a caixa de spams.
Você pode ter sido bloqueado, pelo pior dos bloqueios, o do preconceito, e foi direto para a caixa de spam, ali sendo esquecido.
Você pode ter tido sua vida confundida com publicidade, e foi direto para a caixa de spam. Algo incomodou a ele(a) no teu viver.
Como não podemos interferir na caixa de spam do outro, que tal na nossa?
Será que aquele pedido de socorro dele(a) não está na caixa de spam de teu coração?
Tem algum email que não respondeu?
Algum whatsapp esquecido sem resposta?
Alguém que te desejou algo bom e não retribuiu?
Algum gesto de gratidão, numa atitude bacana do outro, que virou spam em teu coração?
Será que um pedido de perdão não virou um email-spam em teu coração e agora precisa ser lido, resgatado e perdoado?
Abra a caixa de spam de seu coração. Veja que muita coisa pode ter entrado ali indevidamente.Por medo, desconfiança, cansaço, ou até pela rotina.
Permita-se abri-la e resgatar o que vale a pena fazer parte de teu viver, retornando para a caixa de entrada de teu coração.
Diariamente, condenamos os outros a serem como email-spams: invisíveis ao nosso viver.
Tá na hora de dar vida a eles, retornando-os ao seu afeto.
Spam =Emails tidos como indesejados que o Provedor envia automaticamente, ou por programação, para a caixa de Spam para posterior verificação.Que quase sempre nunca acontece.

Cartas ao JG - Despedidas



Sabe filho, hoje chorei sozinho vendo essa tua foto.Foi o dia da entrega da nova faixa do Judô, que conquistastes, a Branca-Cinza.
Chorei por saudades de ti e do Monteiro Lobato; tua escola que fechará as portas em 2016.
Te deixei ali com 1 ano e 8 meses. Filmei teus primeiros passos indo em direção à classe, olhando para nós com um olhar de desamparo.
Hoje, tu segue para ela cantando de feliz.
Quanto crescimento!
Todos os teus amiguinhos(as) vão se dispersar. Te conheço e sei que precisas de um tempo para fazer amigos, vai tateando o ambiente pelas beiradas, mas que depois viram quase irmãos.
Deveria ser proibido escolas fecharem. Deveria ser proibido deixarmos nossos grupos dos primeiros amigos(as), da infância, da ternura do bem viver. Na qual, tudo é festa e amizade.
Minha escola também fechou. Eu fazia o terceiro ano, você faz o primeiro.
Entrei numa escola estranha no quarto ano. Você entrará no segundo.
Tudo era tão assustador. Como são todas as mudas. Nunca mais reencontrei meus amigos daquela época.
Outro dia abracei a diretora: Eneida Agra, importante ativista cultural de minha cidade, Campina Grande-PB, num evento que prestigiei nas nossas férias e ela estava ali, forte e sarada com seus 80 e mais alguns. Foi como eu me reencontrasse com tudo de bom de minha infância. O pé de goiaba, os ensaios do jogral, o imenso quintal da escola com sua tamarineira. .
Sinto muito flihote. Sinto mesmo. Vamos atravessar juntos essa tua adaptação ao novo.
Irás para o Colégio Sagrada Família, tomara que sejam sagrados teus momentos lá.
Tomara que não sofra bullying, tão meigo que és.
Tomara que tenham paciência contigo, quando entrares no modo tímido.
Tomara que as saudades do antigo te deixem em paz e não te impeçam o crescer de novas raízes, noutras terras - distantes e desconhecidas para teu coraçãozinho de criança.
Seria tão bom que não deixássemos nunca quem amamos.
Desejo uma travessia corajosa. Muitos amigos(as), aventuras, coisas novas que o abismo às vezes possibilita. Desejo a loucura do desapego e a esperança de dias em todos como essa, muitas delas. Desejo a luz e a tenacidade em buscar ser feliz no caminho, mais que na chegada a qualquer lugar.
E que tenha sempre por perto um monte de pessoas boas para te ajudar a sair do ninho e voar.
Escolas não deveriam fechar! Nem cinemas...

Sonhos Alados


Cheguei ao trabalho com um gostinho diferente. Após uma semana na nova função, depois de empossado numa das empresas que compõe o Conglomerado BB – a BB Tecnologia e Serviços, recebera a notícia de que minha matrícula e o e-mail havia sido gerados.
Engraçado como um e-mail corporativo, uma matrícula e um crachá te dão uma sensação de pertencimento a uma identidade profissional.
Entrei logo na sala para testá-lo. Abri as janelas e vi um inseto no parapeito.
Parecia uma borboleta. Gosto de borboletas, então aproximei-me para vê-la de perto.
Uauuu!!! Qual não foi minha surpresa.
Não era uma borboleta, era uma semente. Uma semente com “asa”, uma semente alada.
Saí no haal e mostrei às telefonistas Paulinha e Mislene a belezura do que acabara de ver. Quis compartilhar com elas o belo.
Mislene ficou embevecida com a foto que tirei. E, disse-me que iria procurar o nome da árvore daquela semente tão graciosa.
Mais tarde, abri a caixa de e-mail e estava ali, o primeiro e-mail que a inaugurava. E era da Mislene, ela descobriu o nome da árvore: Jacarandá do Campo (ou Faveiro), de nome científico: Platypodium elegans.
Que nome bacana! Pensei numa analogia com o nome científico:
“Elegante pódio pra ti.” Que desejo legal para os outros: Que você tenha um elegante pódio.
Ser elegante é ser de paz, ser humilde, saber reconhecer as pessoas que são corresponsáveis pela sua vitória, pessoas que sem elas nãos e chega a pódio nenhum, pelo menos os pódios elegantes.
Recebi aquela semente, sua história e o e-mail da Mislene bem emocionado.
Ela me falava, e muito, nos dias de muda em que estou vivendo.
Depois de um tempo, o Dadá, o nosso “faz de um tudo”, presenteia-me com umas dez sementes que colheu no seu horário de almoço. Eu não tinha tocado nelas ainda, pois a que caiu em cima da marquise de minha janela não tem como ser colhida, pelo vidro ser fixo.
Elas são de uma delicadeza imensa. De tão feliz que fiquei, guardei uma delas numa caixinha de metal, como um troféu de boas-vindas que recebi da mãe natureza.
Essa semente de Jacarandá é uma abençoada. Ela pode ser plantada noutros locais, é só se deixar levar pelo vento.
Se correr o risco de cair da sua mãe árvore num terreno ruim, muito sombreado, pedregoso ou de difícil possibilidade de germinação, é só esperar uma ventania de outono, daquelas que dão por aqui em Brasília, e tentar novamente noutras terras.
Acho que essa semente representa um tipo de postura diante da vida que muito nos ensina.
Uma postura elegante de se atingir metas e desafios, de se subir no pódio: seja em primeiro, segundo ou terceiro lugar.
A postura de voar. Levando no vôos condições melhores para o renascimento noutros locais.
Sem se perder dos valores, da essência, daquilo que nos faz germinar.
Amigos e amigas, acredito que os sonhos precisam de asas, tal qual essas sementes de Jacarandá do Campo.
Que seriam dessas sementes se não fossem aladas?
Tem gente que possui um monte de sonhos, mas não voam em busca de seu alcance.
São sonhos fadados ao apenas sonhar. Meras intenções. Não se preparam, se esforça, carecem de disciplina e vontade e coragem. Querem chegar na janelinha, mas sem esforço e com uma pressa e ambição desmedida.
Sem práticas concretas, sem concretude. Sem mudança de lugar, postura e hábitos.
Sonhos bons, daqueles que viram projetos concretos, têm asas mais do que raízes.
É amigos, a semente me ensina, e hoje compartilho: quão pobres são sonhos, ou o sonhar, sem que se possa com eles coar, sonhos presos numa realidade asfixiante, sem asas.
Sonhos precisam de movimento, precisam de mudanças, precisam de enfrentamentos da realidade que tende a deixá-los num canto qualquer mofando em nossos corações, tal qual sementes sem asas que caem no chão de uma árvore e que dificilmente, caso não sejam tiradas dali, em refeições de outros animais, vingarão.
As asas capacitam as sementes a outras possibilidades de germinação.
Quantos sonhos fomos adiando? Procrastinando-os ou, simplesmente, retirando-os de nossos corações, só por termos desaprendido a voar, ficando em gaiolas estéreis. Só na intenção. E nada de passo-a-passo ir criando as condições para a emancipação deles. Quantos?
Ao sinal da menor dificuldade, desistimos de leva-los adiante.
Diante de uma necessidade de um maior esforço, pulamos fora.
Perdemos a resiliência, necessária a manter a firmeza não esquecendo da “elegância”, diante das pressões cotidianas. Aí, vamos desistindo precocemente de energizar nossos sonhos, nos acostumando às grades, reais ou imaginárias. Desaprendemos a voar.
Mas quais seriam as melhores asas das sementes de nossos sonhos?
A espiritualidade e a esperança, considero como excelentes asas.
A família, os amigos, o caráter, o profissionalismo, o amor e a educação são outras muito boas. Elas nos levam mais longe do que sonhamos.
E, os valores da tenacidade, disciplina, otimismo e sentido da vida nos capacitam aos voos. São combustíveis, quase como os ventos, para as sementes aladas. Esses valores alargam nossa trajetória, e possibilitam um vir-a-ser melhor, repleto de novas e insondáveis acontecenças.
Então, amiga e amigo que me lê, que tal botar asas e soprar ventos nas sementes de seus sonhos?
Não é hora de desistir de você mesmo. Pegue o próximo vendaval e saia para semear-se noutros locais, nos quais de ti precisarão de teu vigor, sombra, flor e fruto.

Suje a boca comendo manga.


Essa semana tive a oportunidade de conversar com pessoas amigas, sobre as estratégias para o bem-estar emocional que precisamos desenvolver, para uma melhor qualidade de vida psicológica. Com tanta coisa que lhes falava, pediram-me para fazer um texto que as ajudassem.
Disseram-me que são do tipo que ficam "arengando" com a vida. Daquelas que acordam procurando razões para ser infeliz.
E que, por pouca coisa, perdem a paz e a alegria durante o dia. .
Então, resolvi escrevê-las, e a todos e todas que se identificarem com seus apelos.
Por experiência prática, e com base nos meus estudos em Psicologia Positiva e Logoterapia poderia resumir, correndo o risco e tomado pela insanidade de todos os resumos, em três grandes forças motrizes geradoras da energia do bem-estar.
São elas: A dieta emocional; os exercícios comportamentais e o estilo de vida existencial.
Fazendo uma analogia com a busca por um corpo saudável: seria a dieta, os exercícios e a mudança do estilo de vida, o que de fato faz perder peso e evita o efeito sanfona.
1. I - Força Motriz - Dieta Positiva Cognitivo-Emocional.
De que tipo de emoções nos alimentamos? O que lemos e o que ouvimos? Que tipo de alimento emocional estamos ingerindo todos os dias? São alimentos saudáveis, ou são venenos emocionais?
A primeira força nos ensina que é preciso cuidar com o que deixamos adentrar em nosso ser. Seja pela cultura, pelas amizades, pelo acesso a informações, ou até pela troca diária de conversações.
Se essa dieta é repleta de agressividade, maldade, inveja, rancor, ódio e maledicências, como purificar o existir?
Como se sentir, ao final do dia, em paz e com bem-estar crescente?
O meio fabrica o Homem, de fuma maneira muito mais primitiva do que a do Homem fabricar o meio.
Assim sendo, recomendo que se cuide com o que se consome de emoções nos meios em que habitamos.
Não dá para criar uma bolha e ir morar dentro, ou numa ilha deserta. Até arrisco que ali não seríamos felizes. Precisamos de cheiro e toque de gente para nos realizarmos como pessoas.
Mas, tem que ter juízo e discernimento para saber quando estamos ficando envenenados, intoxicados pela convivência com gente ruim, desumana e sem nada de positivo.
Gente infeliz, extremamente negativa e crítica, que suga nossas energias. São uma bomba calóricas do mal, para nossa dieta para o otimismo, esperança e visão positiva de si mesmo, da vida e dos outros. Feche as portas do coração a elas. Não se deixe contaminar.
Além disso, cuide das calorias do mal que por si próprio, pela sua autonomia de um ser de liberdade faz e consome. Que tal, se levou um fora afetivo, passar menos tempo lendo a cartas dela? Ou ouvindo músicas que remetem à finais de relacionamentos?
Que tal uma dieta desse tema? Uma desintoxicação.
Resumindo, a I Força Motriz para o aumento do bem-estar diz respeito ao que consumimos, e ao que exalamos de emoções. Procure as boas, aquelas que agem como os dez antioxidantes da alma, aqueles que rejuvenescem nossa história de vida, tais como: otimismo, paz, espiritualidade, perseverança, ética, adaptabilidade, solidariedade, esperança, gratidão, generosidade e mansidão.
Alimente-se delas e serás muito mais feliz hoje, do que ontem, e assim por diante.
2. II Força Motriz - Exercícios Sócio-Atitudinais
O alcance do bem-estar emocional exige práticas comportamentais e atitudinais, muito mais que bravatas ou belos discursos. Algumas delas dolorosas, pois vão contra hábitos arraigados, e geram resistências internas.
Mudar dói e é um tanto arriscoso. Mas garanto-lhes, é muito bom e ainda melhora a cada dia que passa.
Se você é do tipo que vive reclamando de tudo, mudar exigirá esforço e atenção redobrada sobre si mesmo, o que chamamos de autoconhecimento. Assim, ao menor sinal de chegar no seu coração aquela reclamação gratuita, por coisa pequena, trivial, poeirinha de estresse turvando sua visão, atue sobre ela. Diminuindo o impacto emocional do negativo no seu dia.
Tem gente que reclama tanto, que mal consegue conviver com os outros, consigo mesmo e com a vida. Tudo lhe está em falta.
Tem gente que passa praticando um esporte perigoso: Ninguém Presta. Esse esporte tem seu placar alterado sempre que praticamos o mal: seja em comportamentos seja em atitudes: “remungamentos”, fofocas, invejas, apologias a rede de intrigas e difamações de todos os tipos.
Na analogia com a busca por um corpo saudável, esse exercício faz o mesmo efeito do que aquele que respondemos ao nosso médico quando nos pergunta sobre atividades físicas:
“Doutor, no momento só levantamento de chope”.
É, meus amigos e amigas, como querer uma vida em bem-estar emocional vivendo em guerra com todos, consigo mesmo e com a vida?
Para ativar essa força motriz dos Exercícios Comportamentais a pessoa precisa se conhecer melhor. Identificar o que a tira do sério, e o porquê. A partir daí, sobre esse aspecto trabalhar o aprimoramento de seu ser.
Não basta ficar na I Força: A Dieta Emocional. É preciso exercitar o bom, belo e virtuoso, até que ele vá virando um outro jeito de ser, cultivando em nós novos hábitos.
Têm alguns exercícios, nesse particular, muito bons para perda da “barriga da tristeza”, verdadeiros abdominais para saúde emocional. São eles:
a. Pratique a gentileza. Melhore o mundo em que habitas, e todos os dias.
b. Pratique a gratidão. Seja grato por tudo, e a todos que constituíram em ti, ser quem és.
c. Pratique recomeços. Quando alguém arrependido lhe convidar à paz, dê-lhe paz. Ou, que seja você que tome a iniciativa e restabeleça o fluxo para relacionamentos saudáveis.
d. Expanda a visão de si mesmo, dos outros e da realidade. Preste atenção aos aspectos positivos da vida: o bom, belo e virtuoso que estão em todo lugar e que teus olhos opacos, pela indiferença – filha da rotina, preocupações e ansiedade cotidianas, não lhes capacitam mais a ver.
e. Exercite a resiliência. Cuide para não superdosar a atribuição de significados ao que não sai de acordo com o que esperava, aos estresses e lutos existenciais. Nesses momentos, olhe-se dentro de um contexto de referência maior, proclamando e acreditando em profecias realizadoras tais como: “Já é hora de fechar as janelas, virar a página”; “Isso também passará”; “É só uma fase” e, “Amanhã será melhor”.
3. III Força Motriz - Saltos Disruptivos no Estilo de Vida
Tem gente que nunca está satisfeita. Com estilo de vida nada simples. Gente que carrega muitas tralhas emocionais. Como alcançar o bem-estar com um estilo de vida extremamente materialista, consumista, ganancioso, ambicioso e até violento?
Como?
Gente que se perdeu nas coisas e coisificou o outro, a si mesmo e até a realidade em que vive.
Gente escrava do ter e poder, e dependente de prazeres que após uma ressaca diluem-se e evaporam deixando-as mais vazias ainda.
Tem gente que virou refém do outro.
Gente co-dependente, sem liberdade e autonomia. Oprimida que foi, por tantos anos, acostumou-se com as gaiolas. E, em gaiola sendo, quer aprisionar a todos que lhe cercam no mundinho em que habitam. Vivem uma vida de mediocridade e aparências.
Muito da mudança para uma melhor qualidade de vida passa pelo estilo em como se vive.
Mas não é pouca coisa não! É muita.
Tem gente que nunca tem paz, por mais promoções que receba. Está sempre entupida com dívidas das novas prestações: do carro do ano; da roupa transada, da viagem dos sonhos...etc.
Gente que vive procurando a felicidade numa forma hedonista de ser, em alvos, que tão logo sejam alcançados já deixam em si – meses depois, o mesmo vazio de antes.
Gente que se alimenta do que realmente não importa, e ainda reclama de estar sempre com fome.
Mas, há esperanças. Existem um montão de pessoas, e você pode até ser uma delas, que vem aprendendo que a vida é curta demais para ser pequena.
Que existe coisa que dinheiro não compra. Que um estilo de vida mais simples e ligado às pessoas e grupos que realmente nos fazem bem é algo precioso, por si mesmo.
Gente que reaprendeu a observar e encantar-se com a natureza. Gente que acolhe, que ajuda que influencia mudanças para melhor nos meios em que atua. A III Força Motriz do Bem-Estar é o Estilo de vida. Pode ser uma força positiva, que lhe impulsione ao alto; como também negativa, que lhe aprisione e lhe mova para os porões do ser.
Estilo de vida tem tudo a ver com nossas escolhas e renúncias. Tem a ver com nosso projeto de vida, senso de propósito e valores que cultivamos no aqui e agora dos tempos presentes.
Nessa sociedade veloz e agressiva que vivemos, falar em mudança de estilo de vida é quase uma utopia. Convido-lhes a serem utópicos como eu. Bora juntos?
Uma sociedade marcada por níveis crescentes de medicamentalização; ansiedade e estresse. Para a qual nem tudo, ou melhor muito pouco, a solução passará pelo traja preta e aspirinas.
Na qual, todos os dias nos envenenamos um pouco mais com os hormônios da sobrevivência: cortisol e adrenalina.
Uma sociedade hiper-conectada, mas solitária. Com acesso a possibilidades inimagináveis no passado, mas ansiosa.
Uma sociedade multicultural, mas que guerreia pela extrapolação do poder de seus guetos.
Com mil formas de representação e identidade social, mas insegura e carente de atenção.
Uma sociedade cujo o próprio estilo de vida produz dor, tristeza, destruição e morte.
É para ser um mais revolucionário contra essa sociedade que lhe convido. Um utópico de um outro mundo possível. E por que não?
Afinal, teve gente que mudou o estilo de vida, e para melhor, após um choque que passou: seja um luto laboral - ou existencial, um sofrer afetivo, ou até uma doença.
Mas, não precisa de tanto para mudar para um estilo de vida mais saudável, do ponto de vista de bem-estar emocional.
A educação emocional para a inteligência positiva, feita em várias partes do mundo, tem obtido sucesso e mostrado que podemos reaprender novos estilos de vida.
Mais comunitários, menos individualistas.
Mais solidários, menos egoístas.
Mais fraternos, menos violentos.
Mais naturais, menos materiais.
Podemos passar sem trocar de carro a cada dois anos. Podemos passar sem pintar a casa, a cada 5 anos. Podemos passar sem aquela viagem dos sonhos a cada X anos.
Podemos passar sem as marcas. Podemos passar sem as coisas.
Só não podemos passar sem nós mesmos, e as pessoas que amamos e conosco interagem.
Essas não têm preço. E serão elas – quanto tudo que o dinheiro compre não vier mais a comprar – como as lágrimas que choram por nós, quem de fato estarão ali pertinho a nos apoiar.
A simplicidade exige um pensamento complexo e um agir perigosamente contra a maré e ordem reinantes, desenvolva-os e seja mais feliz!
Lambuze-se comendo manga madura. Não tema sujar os dentes. Permita-se às experiências verdadeiras e prazeirosas, justas e éticas - muitas de baixo custo. Carregue menos fardos emocionais, tome mais banho de chuva, tome mais sorvete e menos sopa, e reaprenda a brincar.
E, por último, abra seu livro de colorir - aquele de sua própria existência, e todas o dias acorde com o firme propósito de refazer seu melhor esboço, sua melhor ilustração de si mesmo, do outro e da realidade, com as tintas do bom, belo e virtuoso que produziu e recolheu durante o dia.

Cartas ao JG - Celebrando o quase lá!




Ao longe, escutava você estudar com sua mãe para a última prova que teria: a de Judô.
Durante a semana, acompanhei tua frustração em não ter “passado de faixa”, na primeira avaliação que fez. Nela, você não soube o nome de algumas palavras do dialeto judô.
Sua preocupação era grande, e sua mãe pacientemente tomava-lhe a lição.
E tome palavras estranhas sendo repetidas à exaustão para que você as assimilassem, do tipo dos nomes das peças do traje (“Obi, Eri”..); os numerais ( “Iti, Ni”...) e como se chamam alguns dos movimentos que pratica (“Zai, Fusegui”...).
Fiquei rindo à tôa com tanta dedicação, de ambos: mãe e filho, para superar esse desafio.
A prova era na segunda, quem iria te buscar era eu.
Cheguei apreensivo.
Vi que saia uns alunos com o Quimono na mão, e você nada de sair.
Uns sentaram-se ao meu lado. Perguntei-lhes se tinha visto você. Responderam que você ia bem na avaliação.
De repente você aparece e me pergunta se eu posso ir contigo em Águas Claras-DF comprar uma nova faixa: Branca-Cinza.
Você está radiante. Eu, desconfiado. Aproveito que você vai se despedir de uma a amiguinha, e pergunto a um grandão que estava ao meu lado: “Tem mesmo Branco-Cinza, ou foi para consolá-lo que o professor assim agiu? ”
O grandão diz que tem: “ pelo conhecimento e técnica ele já é faixa Cinza. Mas, pela idade é Branca ainda. ”
Fiz cara de entendido e soltei um: ahhh!!!
JG voltou para casa eufórico. E aquilo me contagiou. Mas tarde entrei num site de Judô e descobri que existem gradações de faixa para os pequenos, que são função do tempo de faixa anterior e da idade, do tipo:
Cinza-Azul (de 7 para 8 anos); Azul-Amarelo (de 8 para 9 anos); Amarelo-Laranja (de 9 anos para dez anos)
Filho, que sabedoria milenar prendi com tua mudança de faixa!
Aprendi que nem sempre já conseguimos ser o primeiro, vencer algo e pular de fase, mas que o importante é o “viés de alta”, ou tendência, que ao se acreditar e investir mais um pouco, no teu caso de idade, atingirá o objetivo e receberá como prêmio a faixa Cinza.
Que lição!
Sabe filho, durante muitas coisas em teu viver lembre-se do dia em que ganhou a faixa Branca-Cinza!
Lembre-se, repito, e guarde esse dia com carinho!
Como seríamos melhores como pais, professores, gerentes e líderes se acreditássemos que entre o sim e o não existe o mais ou menos.
E que, muitas das vezes o mais ou menos está excelente, uma vez que indica um caminho de possibilidades que já se está descortinando.
Veja filho, você nem é faixa Branca, nem Cinza, é Branca e Cinza.
É um pouco das duas.
Queremos nessa busca frenética por resultados sempre o pódio.
Vamos nos educando para desprezar tudo que não seja o 10. A medalha de ouro.
Desprezamos assim as alegrias provisórias, pequenas, não completas em tudo que esperávamos dela. As bonitezas das brevidades da vida.
Criamos uma enorme expectativa sobre nós mesmos, os outros e a vida; e para estarmos bem ansiamos que elas sejam plenamente atingidas.
Desaprendemos a vibrar e celebrar o “quase”. Veja o exemplo abaixo, de quem um dia me procurou chateado pela reforma do apartamento ter atrasado. Essa pessoa estava visivelmente aborrecida. O natal seria com poeira de obra em seu lar.
A construção dela não terminou em 2015. Aí, como em muitas coisas em nosso viver, para as quais a construção ainda não terminou, ficamos nervosos, e chateados com a “casa empoeirada”. E aí, cegamos de desgosto. Perdendo a oportunidade de celebrar o que já foi feito, e “esperançar” o que ainda falta fazer. Foca-se no que falta. E não no que ainda sobra.
Chamo a isto, filho meu, de contabilizar perdas.
Ficamos craques nisso.
Vamos aprendendo a modelar nosso cérebro, e suas respostas emocionais, a uma vida de expectativas superdimensionada.
E, dia a dia, vamos alimentando padrões de comportamento que virarão hábitos. Hábitos infelizes, que depois de criados, regularam o modelo de funcionamento de nosso ser, programando-o à infelicidade.
Existe saída?
Sim, filho meu. O pensamento e ação sobre o mundo do tipo Faixa Branca-Cinza é uma delas.
Esse pensamento acredita no potencial, no vir-a-ser, nutre esperanças vadias nos quintais de nosso coração.
Esse agir sobre o mundo não desiste quando não vence, prepara-se melhor para os próximos desafios e comemora o que ainda conseguiu.
Não é uma postura alienada. Antes disso, trata-se de uma postura revolucionária: quer atitude mais revolucionária do que a de alegrar-se com o que já tem; e confiar – operando para tal, em na construção de um futuro melhor?
Como seria bom se pais, professores, gestores e líderes, de todos os tipos, reconhecessem em seus funcionários desempenhos Branco-Cinza, ao invés de dizer a eles que ainda não estão reparados para a Faixa Cinza.
Quantas coisas boas quem migra do branco para o cinza já conquistou que vale a gradação!
Vale o reconhecimento do caminho, muito mais importante do que o do alvo.
Nessa sociedade que idolatra o consumo, a marca, a ostentação, cujas marcas são o vazio existencial, a ambição desmedida e o individualismo exacerbado, o Judô nos ensina muito.
Ensina-nos a não receber uma penalidade máxima, o HANSOKU-MAKE, da vida.
Penalidade emocional que recebemos por termos desaprendido a conviver, comungar, respeitar e a contribuir para um coletivo comum mais ético, fraterno e justo.
No qual, entre o Branco e o Cinza, há o Branco-Cinza.
Agora vou comprar tua faixa.
Será minha faixa também como teu pai. É que não me sinto tirando 10 como teu pai. E vinha ficando triste.
Mas, agora alegro-me. Estou com viés de alta para mudar para faixa Cinza.
É só investir mais tempo.
Mas, já sou faixa Branca-Cinza como pai. Já mudei da Branca.
Viva!!!

Acácia Negra


Aproveitei o horário do almoço para ir cortar o pelo.
Fui na Barbearia do China, ali na 716 Norte em Brasília, pertinho de um dos prédios em que trabalho.
Preço bom e sempre vazia.
Dessa vez, contudo, meu cabeleireiro estava ocupado.
Sentei-me para aguardar a minha vez quando uma jovem perguntou-me se era cabelo.
Falei que sim. E ela foi chamar o "China".
Eita, nunca tinha cortado o cabelo com a criatura que dá nome ao salão.
O China era mais conversador do que o barbeiro que me atende há uns 5 anos.
Puxou logo assunto sobre a Mega-Sena acumulada. Disse-me que se tirasse a Sena iria reformar o salão.
Deu uma sonora risada, correndo risco com a navalha tão perto.
Mas China, você continuaria trabalhando?
Ele me disse que faria uma baita reforma no seu salão e passaria a atender os necessitados.
Agora meu sorriso murchou. Eita, sinto cheiro de crônica.
China, na verdade é o João Batista Florêncio Sampaio. Ele abriu seu próprio salão em 2000.
E me disse que "não se pode passar por essa vida sem ajudar".
Contou-me então que já se inscreveu no cadastro de voluntários do Hospital de Base, indo cortar cabelos de pessoas que estavam a muitos meses ali internadas: "Sem nem a família mais visitar".
Também, já cortou cabelos de idosos, em asilos; e de crianças, nos orfanatos.
Até na quadra onde mora já fez campanha de arrecadação de alimentos, usando como moeda o corte de cabelo. Conseguiu congregar uns outros "Chinas" da vida e num sábado, botou até carro de som pra animar o corte e anunciar a campanha.
"Paguei até o alvará de um dia para ficar legal".
O corte "custava" dois quilos de alimentos.
Disse-me com orgulho que arrecadou quase meia tonelada. Ele e os amigos que mobilizou para a empreitada.
Enquanto falava comigo uma mocinha se dirige a ele. Ela pede sua bênção, ele a beija na testa e a abençoa. Ela senta-se numa das mesinhas de manicures. Deve ser a filha dele. Quanto amor e respeito.
"Dinheiro sem trabalho apodrece", falou o China todo cerimonioso. Como quem me revela uma grande sacada que teve pela vida afora.
Essa frase que o China falou hoje é comprovada por inúmeras pesquisas de psicologia. As pessoas precisam sentirem-se engajadas a algo, vinculadas, atuando em suas vidas com senso de propósito e missão. Precisamos de motivos e quereres para viver, precisamos de desafios e objetivos.
Se você pegar uma pessoa e lhe der tudo que ela precisa, ao ponto dela não ter mais porque lutar, ou até tirar-lhe qualquer desafio ou motivo de superação, essa pessoa vai morrer - psicologicamente falando. Pode até se entupir de frivolidades, de prazeres, mas quando o efeito deles passar ela vai se sentir deslocada, novamente.
Quanta sabedoria do China. Um saber simples, sem rebuscamentos filosóficos, um saber prático.
Quanta amorosidade do China em dividir seu ofício com os mais necessitados. Ele não é rico. Seu salão tem duas cadeiras, apenas.
Mas, garanto-lhes, ele é mais rico do que muitos outros donos de salão modernosos.
China é para a humanidade como o que a Acácia Mearnsii (Ou Acácia Negra) é para as águas sujas de lama que matam o Rio Doce.
Deixa eu te explicar melhor.
A cidade de Governador Valadares (MG) teve seu abastecimento de água interrompido, pela poluição do Rio Doce com a lama da Samarco.
A Estação de Tratamento não conseguia tratar a turbidez da água. A água estava turva ao extremo, quase barrenta, como consequência direta do arraste dos dejetos de mineração. Imagine o drama de uma cidade de quase 300.000 habitantes perder sua fonte de água.
Aí, aparece uma solução 100% nacional, para tratar águas com alta turbidez. O tanino da casca da Acácia Negra tem um polímero orgânico catiônico que age como floculante natural. Calma, sei que falei quimiquês.

Deixa eu te explicar: esse polímero atua "colando" partículas em suspensão. Aí elas vão se juntando, se juntando, até ficarem pesadas - como grandes flocos de barro, e caírem para o fundo do tanque, no processo de decantação.
Aí pode-se tirar a água da superfície que está limpinha limpinha, sem nenhuma turbidez. Quase transparente.
E onde entra o China na história da água?
Cada vez que o China foi cortar o cabelo de pessoas necessitadas, doando seus serviço profissionais aos carentes, ele foi o Tanino da Acácia para a humanidade.
Ele deixou o ambiente melhor por onde passou, mais puro e feliz. Decantou injustiças, decantou egoísmos, decantou sentimentos de exclusão e marginalidade sociais.
Quantas das vezes já cruzaram conosco alguns Chinas que catalisaram em nós as mesmas reações, acontecidas no tratamento das águas turvas do Rio Doce, decantando nossa impureza e nos tornando melhores. Mais palatáveis para nós mesmos e os outros.
Às vezes uma represa de lama se rompe e invade o leito de nossa vida, turvando tudo e tirando o sabor, as cores e a esperança de viver.
Nessa horas, só vemos escuridão, não há caminhos, tudo fica turvo. Nossas emoções ficam num estado de turbidez, selecionando apenas os aspectos negativos e pessimistas do viver.
Chamo a isso de turbidez emocional.
Perdemos a autoestima, a autoconsideração e até, nos casos mais graves, a dignidade.
Aí, cruzam o nosso viver pessoas-china, pessoas-tanino-acácia-negra que nos resgatam. Que ajudam a separar o lixo de nossa vida e a processá-lo para que outras áreas possam vicejar.
Podemos ser o tanino da Acácia Negra para o outro. Já parou pra pensar nisso?
Quantas pessoas chegam até nós confusas, desanimadas, esmorecidas. Pessoas com alta turbidez emocional que só precisa de uma ajuda para que elas processem sua dor, luto e perdas de qualquer espécie.
Muitos olham para elas e dizem: estão mortas.
Outros, como os técnicos da SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Valadares, veem vida, basta misturar nelas o tanino da acácia que dá pra aproveitar 90% ainda.
Toda vez que acolhermos uma pessoa com amor, solidariedade, empatia, mansidão, justiça e perdão, agimos no seu coração diminuindo a turbidez emocional dela.
E, o melhor, a nossa também.

Domingo Encantado

De meu espaço de observação privilegiado, numa mesa de feira livre da pastelaria La Deysy, em São Sebastião-DF, o encantado aconteceu nesse domingo.
Não é todo domingo que ele aparece. Nesse, ele reinou solto e parou o tempo para o assombro desfilar.
Eu estava comendo um pastel com caldo, dividindo a mesa com meu filho, o JG.
Eis que miro o olhar para o lado e vejo a cena encantada.
Um pai compra uma coxinha e um suco para sua filha, e pede uma das cadeiras de minha mesa.
Senta a filha nela e acocora-se, à sua frente, ajudando-lhe a alimentar-se e conversando com ela.
Ele não comprou nada pra si. Investiu R$ 5,00 reais num suco e coxinha para ela.
A cena durou uma bela eternidade. Como eternos ficam em nossos corações os bons momentos. Ela, a pequena, virou princesa pelo toque do amor.
Enchi os olhos ao ver ele ajudando-a a colocar o ketchup, e depois abrir o suco de caixinha, e conversarem baixinho, trocarem confidências.
Tenho investido pouco tempo verdadeiro no JG. Quando estou com ele não me desligo do mundo. A cena que vi tocou-me profundamente, preciso dar mais atenção e amor ao JG.
A energia do amor era tão intensa que tive vontade de reconhecer aquele pai. De pagar-lhe um caldo de cana.
Ali, no barulho de uma feira livre, na simplicidade de seus frequentadores, o amor pedia passagem.
Um amor sem luxo, sem ostentação ou vaidades. Sem piruetas tecnológicas, sem artifícios materiais, sem grandes investimentos. Apenas o amor do encontro. A menininha sorria de júbilo, em sentir-se única.
Aquilo lá era um amor de entrega, de cuidado, de atenção.
De investimento na mais valiosa das preciosidades: o tempo para com o outro.
Aquela jovenzinha sabia que ali à sua frente o seu papai era só dela. Não havia entre eles o celular, o “Uotizapi”, ou a ansiedade de sair para outras compras, ou afazeres pendentes.
Acocorado, seu pai acolhia toda presença dela em seu coração.
Que cena linda! O bem é maior. Só não tem espaço na mídia. Não vende. Não apela.
Quantas crianças gostariam de estarem no lugar daquele menininha?
Muitas com brinquedos sofisticados e até tablets, mas sem pais que dediquem tempo a elas.
Tempo gratuito, simples, sem grandes preparações ou planejamentos.
Tempo de presença e encontro, no teatro de uma feira que naquela hora silenciou para ambos.
Nestes tempos de lama e tiros, temos que ter cuidado para não generalizar afirmações de que o mal vencerá. De que a sociedade está ficando pior.
Digo-lhes, não está não.
Na noites dos tiros em Paris, pessoas ofereceram suas casas para acolher outra pessoas que andavam atônitas ao leu, desorientadas. Taxistas liberaram a cobrança das tarifas e ajudaram a muitos que não tinham como voltar, pelo fechamento das estações de metrô. Amigos puxavam feridos pelas pernas, mesmo dentro de uma “zona de guerra”, na qual as balas ainda zuniam. Um pai carrega suas filhas, correndo do terror.
No outro dia, filas e mais filas de doadores de sangue. Corta a cena: “Prefeitura de Mariana pede que não enviem mais doações em bens materiais, só em dinheiro, os depósitos estão lotados e já são suficientes”. O povo atendeu. Assim como os jipeiros de 4x4 que saíram de todos os lugares vindo em socorro de desabrigados, acessando locais que carros normais não adentram.
A solidariedade existe e pessoas boas idem, e em todos os povos.
Quem não dá bom exemplo é o Estado: sempre lento, corrompido e burocrático. Infelizmente.
Que um trator sequer não acionou para levantar barreiras de contenção à lama que sangrava pelo vale do Rio Doce, condenando-o a mais triste e mortal UTIs, a da mãe natureza.
Que ainda não indenizou nenhum pescador, ativando o seguro pesca.
Que não pune quem levou água com querosene para a população sedenta.
Um Estado de governantes que não sujaram os pés, em qualquer nível e esfera política, indo sofrer com a população, limitando-se a darem desculpas esfarrapadas para o acontecido, além de desencontradas. E tome blá blá blás para seus currais eleitorais. Que ficam brigando em ringues de partidos, esquecendo de unirem-se em causas de Estado.
Quanto aos sofredores? Não estão a sós. A população civil deu a resposta: igrejas, times de futebol, empresas, clubes e associações todos fazendo sua parte.
O povo é solidário. Em qualquer lugar do mundo.
Volto para o domingo de feira.
E, ainda anestesiado, olhando a beleza do amor de pai, e sua interação com sua filha, escuto o Sr. Antônio da banquinha em frente me chamar. Somos amigos.
Seu Ricardo, o sr. pode olhar minha banca enquanto vou ao banheiro? A farinha custa R$ 5,00, a abóbora R$ 3,00 o queijo R$ 12,00, o leite R$ 5,00, e assim por diante.
A alegria inundou-me. Acabara de assumir um novo papel: auxiliar de feirante. Ninguém deixa uma banquinha com quem não ama. Senti-me o mais amado dos clientes.
Estava falado, naquele domingo o amor estava no ar.
Quem disse que no mundo há lugar apenas para a desconfiança?
Por dez minutos assumi a barraca. Quase vendi uma galinha caipira, mas esqueci o preço. Contudo, fiquei proseando com a cliente para que desse tempo do Antônio voltar.
Ele volta, e o deixo com a cliente, não sem antes dizer que ela merece um desconto: “pois esperou”.
Aí, sento-me para terminar meu caldo.
Depois vou nele e pergunto:
- Vendeu a galinha?
Ele me diz que não.
- Oxente, e a mulher ficou só no moído foi? (moído = lero-lero, conversa mole)
Sorrindo me diz que receber bem “o moído” também faz parte da venda. E que, um dia, ela voltará e comprará.
Mais um ensinamento num domingo tão fecundo - e num dia de tanto luto, por lamas e balas – ambas fruto da sandice humana.
Que esse amor de pai que investiu o mais rico dos bens para presentear sua filha: o de si mesmo, irradie-se no meu coração e no de todos que me leem e para sempre.
Amém!

Fruto e Flor


Manhã de sábado aproximo-me do terraço de laje e vejo ali, vermelhinha, uma seriguela toda oferecida. Dá pra colhê-la sentado nas cadeiras de pneu. Essa seriguela tem história. Assim como essas cadeiras, já narrada noutra crônica que está no blog: Bode com Farinha: Um conto de Natal. Vejam em:
http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/…/um-conto-de-natal.h…
Para você que me ler é só uma frutinha vermelha. Para mim, ela é uma sobrevivente. Filha de uma árvore que seria decepada, quando da obra que fiz recentemente. Foi condenada por tirar o lugar da futura churrasqueira, no piso inferior do terreno de minha casa.
Mas, armado de alucinada indisciplina conjugal, o que pode ser um perigo e fortemente não recomendo, contrariei minha esposa e só fiz uma poda radical de uns 2/3 dela.
Minha esposa engoliu a poda, não sem antes soltar umas farpas. "A área da churrasqueira não ficará boa..."
Ficará, ah! se ficará.
Então a arvorezinha, agora toda diet, esgueirou-se inteira para cima do terraço. Como quem toda oferecida por tê-la deixado viver. Como aquele cãozinho que vem pro colo do dono, em reconhecimento aos cuidados que recebe.
Não sei se foi charme, gratidão, capricho da natureza, mas o galho viajou uns 3 metros, contrariando qualquer lógica do lugar onde está, para produzir essa cena.
E, agora, ele compõe justamente a área criada por minha esposa no terraço superior, formando com o poste de luz uma cena bucólica. Então, como quem se prepara para um banquete, colhi e degustei a primeira seriguela da uma árvore quase condenada à morte.
Saindo para caminhar, vejo que na minha calçada a Paineira Rosa dá sua primeira flor.
Fico emudecido e emocionado. Ando com um olhar mais atento a tudo e a emoção flui melhor do que há 20 anos.
Essa paineira foi duas vezes condenada. Na primeira, pelos moradores que foram escolher na sede do condomínio as árvores de suas calçadas. Ninguém queria pegá-la. Ela "jazia" encostada num tronco de uma mangueira. Os jardineiros me disseram que os espinhos nos troncos desestimulavam os moradores.
As paineiras sofrem muito preconceito, sobre essa árvore de minha calada escrevi a crônica Eu-Bem-Te-Vi, presente no blog Bode Com Farinha em:
http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/…/04/eu-bem-te-vi.html
A segunda condenação deu-se ano passado, dois anos após plantada. É que foram fazer as calçadas do condomínio e o pessoal da obra encrencou com sua posição na antes calçada de grama. Disseram-me que ela teria que ser sacrificada, pois não daria para passar um cadeirante pela calçada, com ela bem no meio. Argumento justo e ético, sobre o qual não tinha o que falar.
Mas, propus que ela fosse transplantada e ficasse mais próximo de meu muro. Assumindo os riscos de derrubá-lo, quando adulta. Se acontecer, no futuro, então afastarei o muro para dentro de meu lote.
Os funcionários do condomínio disseram-me que ela morreria com o transplante. Mas, acreditei que não e autorizei assim mesmo. Afinal, morta ela já estava mesmo, para dá lugar aos bloquetes de cimento da calçada nova, aqueles que substituiriam a grama.
Percebe, amigo e amiga, o porquê de minha emoção ao ver sua primeira florada?
Não sabemos do impacto de nossas ações nas vidas das pessoas, com as quais cruzamos, pelo bom, belo e virtuoso.
Só sabemos que algumas dessas ações, lá onde dobra a esquina do infinito, podem gerar frutos e flores.
Nesse domingo esse é o convite. Que possamos alterar o destino de pessoas, com as quais interagimos, para melhor e naquilo que estiver ao nosso alcance. Pensemos nelas como essas árvores, condenadas que estavam, e que talvez seja nosso gesto, um único gesto, quem as redima e devolva-lhe a dignidade e esperança.
Tem sido mais fácil cortar as pessoas de nosso existir, devolver a elas aquilo que de ruim estamos recebendo.
Tem sido mais fácil não acreditar nelas, não ver flores no futuro de suas existências, não ver frutos em todo seu potencial escondido.
Digo-lhes, não turvemos nossos olhos sobre o potencial humano.
Podemos mudar realidades, podemos revolucionar situações dadas como imutáveis. Podemos fazer nossa parte, para tirar a lama do rio, ou doar o sangue para graves vítimas de atentados.
Sempre podemos.
Ei amigo e amiga, então não é hora de jogar o tapete e desistir daquele que com ti convive.
Ele pode estar passando por uma fase difícil. Tendo um facão emocional açoitando-o todos os dias.
Ou pessoas querendo tirá-las de suas vidas e fazê-los sentirem-se piores ainda.
Ajude. Abrace. Ame. Perdoe. Acredite. Invista um bocadinho de você mesmo para reanimá-lo à vida. Não deixe que os outros o machuquem ainda mais. Defenda-o. Todos os dias cruzo com pessoas que fazem isso: silenciosamente, solidariamente, só pelo simples fato de quererem tornar esse mundo um lugar melhor do que acharam. Ou, devolver o que receberam da vida, em gestos espontâneos de gratidão e generosidade gratuitas.
Querida Seriguela e Paineira Rosa, obrigado pelo gesto de gratidão, em forma de fruto e flor. Sempre soube que vocês ainda dariam uma resposta à vida, emudecendo quem te perseguia, e até fazendo que eles agora te protejam e admirem. Vocês venceram. Viva!!!!
Para mim, sempre que repousar à sombra de seus galhos lembrarei de vocês como aquelas que desafiaram a morte, e que ousaram reaprender a viver: mesmo severamente podadas, rejeitadas ou transplantadas para outra terra. Vocês são metáforas dos sobreviventes, de todas as nações e tragédias, grandes ou pequenas.

Não era somente um cookie, era o Cookie.


Cheguei pra trabalhar e encontrei um pacote de bolachinhas em cima de minha mesa. Daquelas que os americanos amam e as chamam de Cookies.
Perguntei ao pessoal quem deixara aquele mimo, porém ninguém vira.
Dias depois o Luiz cruzou comigo num evento no auditório e perguntou-me se eu tinha comigo os Cookies.
- Ah! Então foi você, Luiz?
Agradeci o delicado gesto e disse-lhe que andava tão atribulado que ainda não tinha parado para apreciar a guloseima.
No outro dia o Luiz insistiu: "Gostou do Cookie?"
Olhei para ele envergonhado e disse-lhe que na sacola de tralhas que tinha recolhido de minha baia, preparando-me para mudar de área, tinha colocado dentro dela e que tinha ficado em casa.
Na quinta logo cedinho, durante o desjejum, comi os cookies do Luiz Cláudio, o LC, como gosta de ser chamado.
Chegando ao trabalho, comentei com o LC e ele me falou: "Esse cookie tem história".
Adoro ouvir histórias, dão boas crônicas e lições de vida.
E abri toda a agenda do mundo para ouvir a história do LC.
Contou-me que ele e a esposa tentaram um negócio em Joinville, na área de eventos, mas quebraram financeiramente. Tinham 26 e 24 anos respectivamente. Perderam tudo na empreitada e ainda arrumaram um monte de dívidas.
Voltar para Cuiabá, de onde saíram, seriam muito vergonhoso, pensaram.
Então, aceitaram a acolhida por uns tempos na casa de uma tia no Rio de Janeiro.
Logo, passaram a distribuir currículos, priorizando bancos e corretoras, já que ambos tinha trabalhado em Cooperativas de Crédito, em Cuiabá.
Sua esposa conseguiu primeiro um emprego, o que deu a eles a condição de alugar um "apertamento" e sair da casa da tia, começando do zero a refazer suas trajetórias de vida.
LC continuava desempregado, e passava o dia distribuindo currículos, ou limpando o apartamento. Assumindo as prendas domésticas, enquanto aguardava sua lady chegar do trabalho.
Nas noites e finais de semana, ia com sozinho ou ajudado por ela fazer faxinas em consultórios e escritórios comerciais. Que companheira!
Mas, passar o dia em casa esperando um contato pra entrevista, ou uma nova agenda de limpeza, estava tirando a paciência e orgulho próprio do LC.
Vejam seu relato:
" Minha esposa trabalhando numa empresa média/grande, com um bom salário e sendo o pilar de sustentação da casa. Fato que causa desconforto em qualquer homem, por menor que seja o pensamento machista (que não tenho quase nada), isso incomoda, pois sempre queremos prover o lar, é da natureza masculina.
Tentando fazer um agrado a minha amada, num dia fiz uma receita de biscoitos, também conhecidos como cookies (pois é uma receita americana), para que ela tivesse um delicioso lanche a saborear. Dessa leva de cookies, sobraram alguns que ela acabou levando ao trabalho e distribuindo aos seus colegas, muitos deles gostaram tanto que propuseram comprar se ela topasse.
Ao voltar para casa, e comentar comigo a intenção dos seus colegas, meu coração ficou feliz, enxergava ali uma oportunidade de voltar a ser útil. Claro que manter a casa limpa, organizada e com seus demais afazeres domésticos é um trabalho árduo, no entanto sei que poder ajudar no orçamento doméstico trás um sentimento de pertencimento maior ainda aos homens."
LC passou a produzir cookies e sua jovem esposa a vendê-los no Banco. Cada dez cookies vendidos dava-lhe uma renda/dia de uns R$ 20,00 líquidos.
Agora LC tinha uma ocupação.
Então, feliz da vida com sua pequena fábrica caseira, resolveu - entre uma fornada e outra, dar uma volta no corredor do prédio, estava calor no apartamento.
Eis que cruza com seu vizinho, também desempregado, que comenta do cheiro bom que vem do ap. do LC.
LC, sábio e solidário, convida o vizinho pra entrar na sociedade.
Ele só precisaria vender, não precisava colocar capital algum.
O vizinho animou-se, e viu que daria para vender por um preço maior nas freguesias de serventuários públicos que conhecia.
Dito e feito. A renda diária do LC quadruplicou. Agora ele quase fazia 1,5 SM e estava feliz da vida.
Seu vizinho distribuía as bolachas pela manhã. E à tarde estudava pra tudo que era concurso.
Logo ele também ficou amigo da esposa do LC.
Juntos, um dia, insistiram pra LC fazer o concurso do BB. LC não era de fazer concursos.
Ficou resistente a ideia, não queria nem pensar em ter que parar a produção de biscoitos (cookies) pra investir nos estudos.
Quem passou por grande dificuldade financeira na vida, quem já quebrou e teve que vender até o pó da gaita pra sobreviver, sabe que quando aparece um pequeno raio de sol, mesmo que vindo de fornadas e fornadas de biscoitos, ons sujos banheiros de prédios comerciais, nos agarramos a ele e temos medo de novamente perder tudo.
Costumo dizer que a vida nos devolve em ciclos o que de bom, belo e virtuoso fazemos aos outros.
O vizinho e a esposa do LC inscreveram-no no concurso do Banco do Brasil, que aconteceria em dois meses no RJ.
Não disseram nada a LC. Não adiantaria e ele ficaria chateado. Ele poderia até distorcer a atitude da esposa, achando que ela não queria mais que ele fizesse biscoitos, ou desqualificando a atividade.
Sabe-se lá. Quando estamos com auto-estima baixa tudo é visto pelo binóculo da emoção. O fato foi que seu amigo, sócio e distribuidor privilegiado de biscoitos, inscreveu escondido o LC com o consentimento da sua esposa.
Ele estava devolvendo ao LC a empatia e solidaridade para com ele, também antes desempregado e concurseiro, e agora distribuidor de biscoitos - empregado, e ainda concurseiro.
Três dias antes da prova, avisaram ao LC que no domingo ele teria compromisso. rsrs
Ele relaxou. Foi lá com raça e atitude. Lembrando das disciplinas do colegial e de suas experiências profissionais que ensinam muito, mesmo em que algumas delas nos estrepemos.
Passou e bem, 89º colocado.
E, em julho de 2010, três anos depois de quando chegou puxando uma cachorra no RJ, tomava posse no BB na agência de Venda das Pedras - RJ.
Por três anos fez faxinas e cozinhou cookies, mas não perdeu a dignidade e otimismo de dias melhores.
Cinco anos depois, nessa manhã de sexta feira 13, de novembro/2015, todos de nossa Divisão de Capital Humano são presenteados pelo LC com seus Cookies.
Escritos em letra maiúscula agora. Pois, representam o que no nordeste chamamos de "quem dá nó em pingo d´água". Gente valente e briosa, que não desiste fácil. Que não fica fazendo mi mi mi, resmungando e reclamando, sentado à beira da estrada, enquanto a caravana passa.
Gente que faz sua história, e com o que dá é feliz.
Não há vergonha em ser pobre. Não há vergonha em limpar privadas. Em limpar casas, "se humilhar" pra vender doces de porta em porta.
Não, amigos e amigas, isso não é tema de vergonha. Isso é coragem, e das boas, coragem em não desistir.
Em não adentrar nos vestiários do jogo do viver, antes do apito final.
Tanta gente desistindo da vida, em condições bem melhores das que o jovem casal LC passou e não desanimou.
Estamos suscitando pessoas frágeis, pouco resilientes, gente que se desmotiva por tudo, que vive procurando coisa pra ser infeliz, que desaprendeu a resistir e a ousar acreditar num futuro melhor, mesmo que enquanto sonha com ele tenha que ensaboar um piso qualquer.
Obrigado pela história de vida LC. Agora sei de onde vem teu sorriso sempre estampado no rosto, teu otimismo, gentileza e mansidão. Vem do que foi aprendendo com a melhor de todas professoras: a vida.
Com ela aprendeu a melhor de todas as lições: A de "encorajar" a existência.
Coragem em continuar acreditando, procurando possibilidades, em locais que muitos só enxergam limites e dificuldades.
Coragem de não desistir, de sobreviver um dia de cada vez.
Quanto amor nesse jovem casal. Como tua saga LC inspira a de milhões de brasileiros que todos os dias disputam, passo a passo, um lugar ao sol.
Sim, um de teus biscoitos que hoje ganhei guardarei no saco. Fará parte de meu dicionário afetivo de coragem.
Todas as vezes que os dias não forem tão bons, quando eu pensar que virei um inútil, que não tenho mais serventia, irei olhar para esse biscoito e dizer comigo: "quem sabe se eu fizesse uns docinhos pra vender...".
E, todas as vezes que achar que não existem pessoas boas, que o mundo tornou-se um lugar inóspito onde só imperam o mal e a opressão, lembrarei de tua esposa - do gesto dela levando os biscoitos, aqueles da tua redenção, ao trabalho.
E o de teu vizinho de apartamento que acreditou em ti, não te roubou na sociedade, e ainda te inscreveu para o concurso, mesmo sabendo de tua resistência em fazê-lo.
Hoje eu batizo teus cookies: Sabor de Esperança. Já não são cookies qualquer. Quem prova da esperança nunca terá fome de nada ou ninguém.
Em tempo: O vizinho do LC passou num concurso na área judicial e vive bem no RJ. Adiane, esposa do LC, deu-lhe uma linda filha, a Alice de 6 meses. Hoje, cuida da Alice, do LC, dela e do lar.

Cartas ao JG – Divida pipocas


Você passou o sábado em polvorosa, quase elétrico. À noite haveria a festa do Halloween do condomínio, e você foi convidado pela mãe do Gustavo para curtir a festa da casa deles.
Fui às pressas comprar com sua mãe uns tecidos, para fazermos sua capa do Drácula.
Tua mãe assumiu o posto de design de moda de monstrinhos e fez uma produção bacana, com direito a maquiagem tenebrosa.
Perto das 19hrs você zarpou pra casa do vizinho, levando sua abóbora para recolher guloseimas.
Não sabíamos bem das regras e a enviamos completamente cheia. Dias depois você nos alertaria: “era para ir enchendo nas casas”.
Fomos ver um filminho e vez por outra saíamos à varanda para ouvir a algazarra que faziam. Tinha umas quarenta crianças na festa.
Perto das 21hrs, você sobe as escadas frenético, vem pedir autorização para participar do desfile de fadas, bruxos, fantasmas e assemelhados, com direito até a um homem-aranha no meio, que sairão pelas casas do Condomínio coletando doces, com ameaças: “doces ou peraltices.”
Não poderia perder aquilo e fui contigo, levando a câmera fotográfica.
A cena era dantesca e belíssima. Um monte de pirralhos e seus pais, todos a caráter, mais parecendo uma procissão de seres de outros mundos.
Você gargalhava e estava radiante. Em alguns momentos ia para o início da fila, outros para o meio, sempre seguido pelos seus fiéis amigos: o Gustavo e o Rafael.
Eu procurava me posicionar sempre à frente do cortejo para pegar as melhores cenas.
Umas 6 casas do Condomínio se voluntariaram para receber o cortejo, com mesas fartas de doces, e decoradas ao estilo teias de aranha.
Gostei do que esses lares proporcionaram a vocês, ano que vem quem sabe.
Então, passei a ficar preocupado e já na segunda casa.
Notei que havia um grupo de umas 12 “crionças” que por serem um pouco mais velhas disparavam à frente dos menores, e de seus desajeitados pais-zumbis.
Essas oncinhas raspavam os doces que haviam nas mesas, colocandos-os até em caixas de papelão que levavam. Quando vocês chegavam não tinha mais nada.
Só o desgosto na face de fadinhas angelicais e bruxinhos inocentes.
Para aquelas crianças espetas, não bastavam as prosaicas cabeças de abóboras para encher. Não eram suficientes para a gana deles. Imagino-os chegando em casa, após o cortejo. Peitos estufados, eufóricos e se sentido heróis por terem sido os “vencedores” da corrida às guloseimas.
E, em alguns casos, se não todos, até sendo reforçados pelos pais.
Na terceira casa, o fenômeno voltou a acontecer, e umas mães reclamaram. Não adiantou muita coisa. A ganancia contaminou a horda, e muitos passaram a imitar o gesto egoísta.
Para desespero de seus pais. Que, contudo, não se posicionavam.
Eis que lhe vejo saindo da multidão, com expressão cansada. A da primeira foto, acima.
Não deve ter sido fácil resgatar, da mesa de doces, aquele saco de balas e as pipocas, competindo com as onças-crianças.
Eis que chega os teus amigos: Gustavo e Rafael. Não há mais nada na mesa para eles.
Peço-lhe que divida sua pipoca com eles.
Você faz um gesto insatisfação, logo diluído com minha expressão de desaprovação.
E digo-lhe: “Divida com os amigos. Está difícil chegar às mesas de doces por causa dos grandes e você corre muito. O Gustavo está cuidando do Rafael. ”
Você divide as pipocas.
Não deveria ser assim. Não deveria ser campeonato de quem corre mais, ou de quem é mais forte e menos educado.
Nas próximas casas, acabei por perdê-lo de vista.
Eis que de longe te vejo, perto do Gustavo e Rafael.
Não acredito na cena. Passo as mãos nos olhos.
Você vem correndo em direção a eles e divide seus tesouros, recém-amealhados, com cada um deles. E fica muito feliz. Não me viu. Foi um gesto espontâneo.
Fiquei emocionado. Você aprendeu e praticou a lição do desapego, do compartilhar e da empatia.
Há salvação para a humanidade.
E, passa pelos pais. Pela educação de base.
Podemos ensinar novos hábitos, mais éticos, inclusivos, justos e solidários?
Sim, nós podemos!
A carta para ti é a de um reconhecimento por ter aprendido a doar.
Que você continue assim, meu querido JG. Há vagas para pessoas boas, mansas e gentis.
Mesmo que tudo ao lado lhe desafie a ser o oposto.
Assim sendo, pela vida afora, quando eu já estiver na melhor das vidas e não estiver perto para te ensinar; conte com teus irmãos e com você mesmo para continuar a desaprender hábitos ruins e infelizes, internalizados pela convivência com a escória da sociedade.
Cuidado com o efeito manada, ou a burrice das hordas.
Permita-se aprender novos valores, comportamentos e posturas diante da vida.
Mesmo que esteja só! Garanto-lhe que tua vida terá mais satisfação e paz ao perseguir valores de fraternidade, ética e comunhão.
Sabe filho meu, tem muita gente querendo ser feliz carregando as mãos cheias de saquinho de pipoca, sem dividir nada com ninguém.
Bobinhos.
Muita gente querendo ser feliz cultivando um estilo de vida ganancioso, falso, agressivo, extremamente competitivo e pouco solidário. Além de enchendo a cabeça com tudo que não presta sobre o outro, si mesmo e a vida.
Ficam com vidas vazias: de família, de amigos, de valores, de experiências, de ativos prazerosos não-monetários, de prazeres simples e pores de sol.

A Arte de Fazer Compotas Emocionais.



No início da tarde, consigo finalmente dar vazão a minha caixa de e-mails, e não há reuniões agendadas. Trata-se de uma cena rara. Alívio e paz invadem minha alma.

Um silêncio respeitoso habita o setor. Meus amigos percebem que estou guardando alguns objetos numa caixa. Fazendo malas corporativas. 

Agora a mesa está limpa, gavetas arrumadas, fatos inéditos em meu viver.

Com o olhar, recolho fragmentos de mim mesmo expostos em cada canto de minha “baia”. Preparo-me diferentemente para o fechamento desse ciclo. Para viver mais um rito de passagem.
Que no mais tardar, em natalina data, ou no raiar dos Reis, deverá acontecer. 

Acredito que todos temos momentos marcantes de fechamentos de ciclos. 
De despedidas, para sair e roçar noutros campos. 

Daquelas que colhemos um monte de coisas boas, lembranças mil e dela partimos com muitas sementes de esperança, mesmo que regadas por doces lágrimas.

Daquelas de quem parte em busca de outros objetivos, motivados por sua própria busca. 

Na cantina, as copeiras dizem que farão o abaixo-assinado do “Fique”. Que carinho simples e tocante. Vivo intensamente cenas de minha despedida vindoura.

Ah se eu tivesse aprendido a vivê-las antes.

Considero que há dois tipos de fechamentos de ciclos. Os ruins e os bons. Os ruins são aqueles que deles queremos nos livrar sem deixar marcas, nem levar nada dali. 
Engolimos em seco e fechamos a porta. Algumas, contudo, ainda ficam querendo reabrir, e nos fazer sofrer, mesmo anos depois de lacradas.
São porões fétidos. Dessas despedidas, quero distancia e nada de festejos. 
Não falo delas. Falos das despedidas boas.

Como aquelas de quem se despede da casa dos pais quando casa. Ou da cidade natal, quando migra.
Ou até daquele primeiro carro que comprou, juntando até o pó de cifrão, e o usou por dez anos, até finalmente ter uma graninha extra e poder trocá-lo. Do primeiro emprego. Da turma da faculdade. Do grupo da igreja.

Daquelas de quando voltamos de um lugar bacana que conhecemos, quando deixamos amigos do bem, com cenas bem vividas e experiências que galvanizaram nossa existência.

Mês passado um amigo confidenciou-me que se aposentadoria. Disse-me que não viria na segunda e pronto.
Disse-lhe que aquilo era insano. Que aquela falta de fechamento não faria bem à sua saúde mental.
E dei-lhe uma dica, que ele seguiu à risca. Anuncie um mês antes, e vá arrumando as gavetas, despedindo-se de todos que te tornaram quem tu és. 

Não saia corrido de onde é feliz. Não temas a saudade boa. Não temas chorar de emoção, ou agoniar o coração. 

Essa é a hora do fechamento de um ciclo, e deve ser com chave de ouro. 
Hora encantada.

Ah! Se tivesse aprendido isso uns trinta anos antes.
Teria me despedido melhor da Comunidade de São Sebastião, em Campina Grande-PB, na qual fui seminarista.
Minha despedida dali foi como quem está fugindo do pai da noiva. Numa noite de Celebração da Palavra, anunciei que não seria mais seminarista, e rompi uma relação amorosa, e espiritualmente fecunda, abruptamente.
Não me dei o direito de abraçar calorosamente e lentamente aquele povo simples. De visitá-los e despedir-me como um homem de verdade deve fazer. Fui covarde. Fugi do turbilhão de emoções e fechei aquela porta para mais nunca abri-la.

Nunca temos certeza plena de nada, creio que essa pressa de fechar alguns ciclos de vida é para que não nos confrontemos com nossas dúvidas, à espreita numa curva qualquer.

Mas, é justamente o confronto que nos dará a plenitude de ter gozado a vida até a última gota, na sua completude e belezura, mesmo na complexidade e caoticidade de decisões não matemáticas. Que nunca caberão num excel. 

Eu não era bom em despedidas, e acabava botando os pés pelas mãos. 

Ah! Se pudesse voltar as cenas de minhas históricas rupturas. Teria feito bolo para meus amigos da Dipes, como fui feliz com eles e nos projetos que tocamos. 

Mas, eu era apressado. Ansioso e agoniado do juízo. Se eu pudesse voltar o tempo. Viveria cada despedida como quem toma vinho bom.
Aquele maremoto de sentimentos me invadia e num transe contraditório me nocauteava.

E eu negava a dor. Fugia dela. Era o medo de perder o apego, era o medo de perder os vínculos. De processar o sentimento que ficava soprando no ouvido: será, ou “aqui é meu lugar”. E dali partir em busca de outros horizontes, desconhecidos.

Paradoxalmente, o medo de enfrentar as perdas emocionais me levava a maior delas, a de não fechar ritos de passagem.
Ou, a de não se permitir vivê-los, degustá-los lentamente - como quem quer guardá-los em conservas emocionais - nas compotas do coração.

Assim foi também quando vim pra Brasília, em 1999, deixando a ONG Grupo de Apoio à Vida, e que fui um dos fundadores, sem uma despedida de respeito. Deixando apressado os filhos, pais, história de vida e amigos em Campina Grande-PB. Ainda hoje sinto falta de ter parado um pouco e feito os ritos finais de uma página que fechava. Parti dali enlouquecido, sem ter certeza alguma, apenas a de pobres e mortais amantes, daqueles que ousam ouvir os sinais do coração e por eles se deixa guiar. 

Faria tudo novamente, só que com umas dez despedidas. Mesmo doloridas. Fazendo a coisa certa. Como cabra de responsa e coragem.

É amigos, costumava sair às pressas, como quem se escondia de si mesmo, como quem se envergonhava das decisões, cuja certeza delas nenhum mago da Terra garantirá, ao adentrarmos e alterarmos o carrossel do destino. 

Só provando de nossa essência, de sonhos em forma de "agora é comigo" é que saberemos. Num tempo ao longe, um tempo de brevidades...

Nossa existência precisa de ritos, de cerimônias, de pequenas vivências de páginas viradas.
Somos eternos demais para sair batendo a porta dos lugares em que deixamos sementes e raízes.
Então, caro amigo e amiga, não temas sofrer a mudança de si mesmo para o desconhecido.

Permita-se vivê-la intensamente. Lágrimas boas não adoecem. São fecundas de presenças, mesmo que na ausência, como a saudade.

Quando estiver perto de mudar, abrace bastante, faça fotos, guarde aromas, sabores, cores e texturas. 
Traga bolos e comemore.

Um dia isso ainda fará parte de sua história. Aí saberá, ao abrir as comportas emocionais, que cozinhou com as boas despedidas que viveu, o sabor delas em teu viver.
Degustarás cada momento, evocando-os com satisfação. Afinal, doces que estão, anos depois, são essas compotas emocionais quem garantirá a fecundidade do solo da esperança, nas manhãs vindouras.

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