Cortesia É Coisa Rara

Hoje saí para levar o carro na oficina e aproveitar para fazer exames complementares no SABIN de São Sebastião. Levei o carro para uma grande oficina e central de troca de óleo que tem bem perto dali. Era umas 8h30min e tinha uns 10 funcionários, todos de jaleco azul. Entrei, ninguém me deu bola. Perguntei quem era o responsável, ao que um deles apontou para o de boné branco. Cheguei perto e perguntei se poderia alinhar , balancear e verificar os freios. Ele disse algo, mais parecido com um resmungo, e gritou para alguém para verificar. cri cri cri...
Esperei esse alguém por uns dez minutos. Naquele tempo, outros passavam por mim e não me viam. Cada um com seus problemas, devem ter pensado.

Fiquei exercitando meu poder de observador cotidiano. Após uns 15 minutos, enfastiei-me de bancar o fantasma.

Entrei no carro, liguei o motor, dei ré de dentro da oficina e saí. Não sem antes trocar um olhar com o de boné branco. Li a sua mente: "menos um cliente".

No caminho para o Sabin vejo uma minúscula oficina, com uma placa estampada na sua fachada: "Especialista em Freios". Paro o carro lá e pergunto se enquanto faço os exames ele pode checar os freios. Tudo ok.

Vou ao Sabin. As mocinhas que tiram sangue não estavam felizes. Notei na pele. Fico numa sala de recuperação aguardando 2 horas para a outra coleta. Uma hora se passou eis que mecânico do freio ali adentra. Imagino o quanto ele negociou na portaria para ali entrar. E diz, "Sr. as pastilhas estão estragadas, mas aqui em São Sebastião não tem para vender, só no Plano". Fico sem jeito com tamanha delicadeza dele vir me informar.

Pena que saiu sem ganhar um café das mocinhas do Sabin. Bem que merecia.
Ao pegar o carro com ele, não quis aceitar nada. Disse que não tinha dado trabalho.

Quanta elegância e dignidade num simples mecânico de uma oficina de fundo de quintal.
Outro dia fui com a Angela Souza almoçar na feira do Paraguai. Ela queria comprar sapatos e eu óculos. Ali perto do BB, todos os estacionamentos estavam lotados. À minha frente um carrão tentava estacionar na única e cobiçada vaga disponível. Fico parado esperando. Eis que um senhor me aborda. Abro o vidro e ele diz:
"Dê uma ré que estou saindo ali atrás e você bota na minha vaga". 
Fiquei uns segundos sem reação. Custando a acreditar no que ouvia. 

Então, fiz o que ele pediu e estacionei no seu lugar, e ainda numa sombra.
Saí me beliscando. 
Essas coisas de doação gratuita de amor, de atenção e respeito deveriam ser comuns.
Estamos tão acostumados com tratamentos impessoais, no piloto automático, hostis... que aquele gesto do mecânico solícito. Aquele que entrou Sabin adentro para me encantar como seu cliente, avisando-me que não tinha a peça; Ou a do sr. da vaga que apareceria com sua saída, causam em nós um sentimento gostoso de que ainda é possível reverter tanta impessoalidade nas nossas relações interpessoais.

Vou comprar as pastilhas de freio no Plano e voltar lá para colocá-las, ele merece!

Eu digo sim à vida!

Fiquei matutando o porquê de tanta indignação dos CRMs para com o Programa Mais Médicos, e por extensão, com a vinda de médicos estrangeiros para suprir vagas não preenchidas por médicos brasileiros.
Faz parte dessa orquestração desqualificar a iniciativa e politizar uma questão de Estado.
Tenho pessoas amigas nessa frente – de protestar contra o Mais Médicos, pessoas amadas e inteligentes. Escrevo para elas. Para que se permitam ver por outro ângulo a questão.
Então pergunto-me quem as insuflou e a que objetivo?
Hoje li que uma das médicas que desembarcou, vai trabalhar numa aldeia indígena no Amazonas. Outros, em áreas de baixíssimo IDH no Maranhão e Piauí.
O que há de tão ruim nisso?
Será que sou alienado?
Será que estou vendo o que esse pessoal não vê, ou vice e versa?
Então resolvi quebrar o assunto em partes para melhor analisa-lo:

• Sobre Estrutura de Saúde
Qual o tipo de estrutura requer o Programa Mais Médicos, nas ações de atenção primária à saúde?
Será que esse outro modelo de medicina, pouquíssimo praticado por aqui, o da saúde básica e atenção primária, precisará mesmo de tantos recursos?
Noutros países onde praticado ele necessita de forte aparelho técnico?
Pelo que li, não. Faz-se esse tipo de medicina com visitas domiciliares, com o velo e bom médico de família. Casos que justifiquem uma maior atenção são encaminhados para cidades melhor aparelhadas.
Mas, supondo que precisará, o que diferenciará da situação de hoje?
Dos que já estão vivendo sob essa condição.
Quanto tempo levaria para aparelhar essas localidades?
Os centros maiores com atendimento pelo SUS são aparelhados? São essa “Brastemp” que apregoam por aí...? Ali tem todos os recursos?
A ida de médicos para esses locais abalizará essa discussão. Com um facilitador, agora eles terão alguém para reclamar, de forma qualificada, melhores condições para o trabalho. Antes eles só tinham um politico interesseiro que com uma ambulância caindo aos pedaços barganhava votos em troca de um “frete” para um hospital da cidade grande.
É verdade mesmo que as 700 cidades não possuem estrutura? Tenho lido depoimento de moradores dessas cidades afirmando o contrário.
Mas, suponhamos que seja verdade. E se houvesse uma estrutura de primeiro mundo, os médicos brasileiros fariam a adesão. Creio que não.
Não é fácil para uma geração criada sob a égide de “tenho que ser feliz agora e já”, da cultura Y, renunciar às regalias que possuem em trabalhar nos grandes centros e migrar.
Isso está fora de cogitação para uma geração criada achando que merece tudo, pode tudo e que não aprendeu a lidar com perdas.
Há outras variáveis que impactam a escolha. O modelo de medicina brasileiro privatizou a saúde. E, no mato não “corre dinheiro”. Simples assim.

• Sobre a Saúde Brasileira
Aqui tem outro ponto de reclamação nesse debate. Botam tudo no mesmo saco alegando que a ação é politiqueira, eleitoreira.
Trata-se de uma ação de Estado. Como de Estado é a ação de enviar recursos para prefeituras em situação de calamidade pela seca, para que custeiem carros-pipas visando ao abastecimento das populações sedentas.
Faz parte de um Governo sério, independente dos partidos que o apoiam, intervir na gestão pública em favor dos desfavorecidos.
Agora que em muitos locais o cara usa isso para barganhar votos, usa sim. Quantos rpefeitos usarão esse Programa para suas plataformas eleitoreiras?
Muitos, e a isso se chama política. Diferente disso é ditadura ou governos militares.
Os governantes capitalizam para suas gestões todas as ações que levam aos seus municípios que melhoram a vida do povo. E não é só aqui no Brasil. Para combater isso só com educação política, na qual o povo saberá que já paga por isso e que o governante não fez nada mais do que sua obrigação, como o seu servidor.
Feito essas ponderações, vamos às demais.
Falta tudo na saúde brasileira. Faltam leitos, medicamentos, equipamentos, profissionais, humanização, reconhecimento, salários, correção tabela do SUS.
Quem já foi a algum hospital público teve a visão de Dante nos seus corredores.
Há um caos por aqui instalado.
O fato de enviar médicos de família para 700 localidades sem médicos não resolverá esses problema. Lógico.
Aqui considero a maior falha dos protestos das entidades de classe. Ao invés de abrirem um debate sobre a qualidade das condições atuais da prática de medicina no Brasil, atacou justamente uma ação que ajuda, não resolve, mas ajuda.
Outra questão sobre o mesmo tema é o tipo de medicina que estamos praticando por aqui. Altamente especializada, com pedidos de exames a mil, com muita medicação, com internações desnecessárias.
Falo isso a partir da leitura de inúmeros manifestos da própria classe médica sobre a indústria do exame, do remédio, da doença.
Em residências médicas para áreas de saúde social sobram vagas. Ninguém quer fazer saúde preventiva. Justamente o forte da formação dos médicos que estão vindo ao Brasil.
Veja abaixo:

• Sobre a Medicina Brasileira
A medicina brasileira virou um negócio, muito caro, e para poucos. Aqui em Brasília, uma das instituições privadas de ensino mais tradicionais lançou nesse semestre seu curso de medicina. A mensalidade é de R$ 6.000,00. Existem outras privadas que não estão longe desse preço, indo de R$ 3.000 para cima.
Nesse ecossistema da saúde habitam a indústria de medicamentos, as prestadores de serviços em exames especializados, clínicas e hospitais, planos de saúde e os médicos.
Há inúmeros interesses em jogo, nesse lucrativo mercado.
Pergunte a quem participa de áreas de auditoria de Planos de Saúde os absurdos que precisam glosar por se tratarem de fraudes, de falcatruas, do uso indevido da boa fé e desconhecimento do paciente para aumentar o “saque” sobre os Planos de Saúde.
Mas, esses mesmos Planos de Saúde que se defendem de cobranças de procedimentos indevidos, também aumentam sua lucratividade reduzindo procedimentos e coberturas demandados.
Não há mocinho nesse tema.
Na outra ponta tem o acesso ao profissional de saúde. Muitos desligaram-se dos planos de saúde, imagine do SUS. Não se paga menos do que R$ 200,00 por uma consulta particular. Várias especialidades não atendem planos de saúde, ou quando atendem o agendamento é muito longo.
Quem só depende do SUS fica em pior situação ainda.
E o que o SUS paga aos profissionais de saúde uma vergonha dobrada.
Viu como o tema é rico e explosivo. Só lamento terem perdido o momento de entrar com essa pauta, deslocando burramente a questão para os grotões do interior.
Falta tudo na rede pública de atendimento. Inclusive respeito.
Esse tipo de medicina é fortemente apoiado em procedimentos caros.
Há um outro tipo de medicina. A medicina da escuta. Da palavra.
Do toque, do apalpar, do conselho, do ouvir.
Essa medicina pode não curar o doente, mas ajuda a prevenir que adoeça.
Um estetoscópio, um manômetro, uma tabela de vacinação, um teste de glicose, uma visita domiciliar, poderão fazer a diferença.
Essa medicina se contrapõe a outra. É um modelo diferente. Que até com plantas, reza, massagens, relaxamento intervêm.
Um modelo de saúde holístico, muito praticado nas comunidades orientais.
No fundo é isso que está em conflito, em guerra.
Modelos antagônicos de se fazer medicina. O primeiro enfoca na doença. O segundo enfoca na saúde.
No fundo, teme-se que funcione. Teme-se que dê certo.
A ponto de dirigentes maiores de entidades médicas dizerem que não atenderão casos encaminhados por esses profissionais para Centros mais capacitados, ou “corrigirem os erros deles”.
Então, queridos amigos, que tal visitar uma dessas cidades e conversar com seu povo. Checar em campo o que é não ter sequer um médico sequer para auscultar um pulmão carregado, para ouvir uma mãe aflita com seu filho febril (é virose mãe...), para a saúde da mulher, jovem e idoso, para monitorar a pressão, para identificar sinais de verminose, anemia, etc. Para educar sobre as doenças sexualmente transmissíveis e hábitos saudáveis de alimentação e higiene...
Então, queridos amigos, que tal botar uma mochila nas costas e aderir ao Programa. Serão dois anos maravilhosos na tua vida.
Será um doutorado em vida popular. Coisa que os grandes centros não te ensinarão.
Sei que vai “perder” de rentabilizar seu investimento. Perder posições. Mas, garanto-lhe, a experiência humana que adquirirá, e que livro algum ensina, te capacitará melhor e mais fortemente para novos vôos quando voltares, se é que vai querer voltar.

Clique nesse link após ler o resto e veja quem está aderindo.
É por amor!

Se minha filha fosse médica eu a diria.
“Filha, ficarei feliz se você ajudar essas populações desassistidas. Mas, caso sua escolha seja outra, a respeito.
Mas, antes de atirar a primeira pedra no Programa Mais Médicos, lembre-se para quem está trabalhando em assim o fazer. A quem está defendendo? A que interesse?
Cuidado com interesses dissimulados que te induzem a agredir profissionais que também fizeram o juramento de Hipócrates.
Se não quer ir para a roça, eu respeito e aprovo tua decisão.
Mas, poupe seu pai de uma vergonha em atacar quem vai, ou essa bela e rara iniciativa.
Não quero sentir-me parte de uma burguesia elitista que segregou a medicina brasileira criando os Médicos Com Fronteiras.
Não quero me sentir responsável, pela paternidade que em ti exerço, pela hipoteca social que os CRMs e Cia. estão assumindo com essas populações.
E, quanto a Cuba, cuidado com tudo que lê ou escreve. Os profissionais de saúde daquele país merecem nosso respeito.
Lembre-se que aquele país vive há anos sob bloqueio econômico dos EUA.
E, mesmo assim, conseguiu desenvolver padrões excelentes em muitas políticas públicas.
Se for para avaliar a qualidade dos políticos, em relação aos profissionais que o país gera, nós do Brasil seríamos os piores do mundo.
As questões internas de Cuba são deles. O Mais Médicos não tem alçada para resolvê-las.
Não misture uma coisa com outra que não dará em nada. E é esse nada que os CRMS querem no momento para a discussão. Essa é mais uma tentativa, infeliz, de desqualificar a vida de médicos estrangeiros. O pessoal que veste branco e se instituiu como liderança da área, nem fode nem desocupa a moita. Desculpe a expressão.
Não apresentam uma proposta concreta para levar saúde a essas localidades, desviando o debate para outros temas. Uma pena! Enquanto isso uma mãe grávida espera acompanhamento, e uma criança com diarreia idem. Não falarei mais sobe essa questão, estou adoecendo de indignação. Combati o bom combate e me posicionei contra a tirania das corporações.” 

Veja abaixo as qualificações de quem chega:

Nas palmas das mãos!

Hoje me peguei contando minhas cicatrizes. Tenho três bem visíveis. Uma na bochecha direita, fruto de uma lança de madeira que um amigo jogou e a transpassou. Outra no braço do mesmo lado, quando carregava uma peça de vidro temperado e ela se quebrou, lançando sobre mim estilhaços. E outra na palma do pé esquerdo, quando pisei numa lata de sardinha e abriu um talho no pé. São visíveis. Essas não doem mais. Tenho cicatrizes interiores, em noites frias e escuras saem dos seus túmulos e me assustam. São cicatrizes de despedidas, de vocações adiadas, de amores e desamores, de saudades engolidas, de vidas amadurecidas às pressas. De pessoas queridas que se foram e eu não as disse um simples "até logo". De pessoas queridas que não se foram, mas eu me fui, e não sei o porquê. Na palma das minhas mãos tenho desenhado, com sulcos inscritos na pele, uma vela e um mastro. E estão em ambas as mãos. Estas, são cicatrizes vindas da minha alma. São um bilhete de Deus. Uma mensagem, um traço genético, que consigo traz a história de um povo. De todas cicatrizes que tenho, exteriores, interiores e as da palma da mão, que nessa noite me flagro a mirar, não me sai da cabeça o mastro e vela nelas inscritos. Como se eles dissessem para mim: "Ei você não se basta só.". Você depende do outro para lhe juntar e te dar sentido. Como a vela olhando para o mastro e dizendo: vem para perto de mim, para que nossas vidas sejam plenas. Penso, nessa noite fria, que muitos que passaram por nossa vida, nem cicatrizes externas nem internas provocaram. Eles possibilitaram que em nosso viver o mastro encontrasse a vela e nos fizesse avançar. Eles, carpinteiros do ser que são, juntaram peças de nossa vida, sem sentido sozinhas, e as fizeram avançar. Que legal. As palmas de minha mão me dizem que preciso de você. Que não me basto só. Que não sou independente. Que dependo de você para me fazer crescer. Me fazer melhor, me aperfeiçoar na arte de navegar na nave mãe Terra. Velas e mastros que se fundem na arte de amar e do diálogo. Nessa noite agradeço a tantos que juntaram minhas velas ao mastro, nos encontros que tivemos, e que me fizeram, quando cansado e descrente, velejar mais um pouco em busca de portos-seguros. Fizeram-me atracar em amanhãs mais seguros e fecundos. Gratidão é o que me inunda o ser nessa noite, mesmo pelas cicatrizes que vez por outra ainda doem, pois ensinaram-me o valor de recomeçar. Gratidão pelas costureiras e carpinteiros que juntaram mastro e velas em meu viver, fazendo-me navegar e avançar, mesmo em mares bravios. Eu te agradeço! Eu preciso de ti. Frases místicas de uma pessoa que olhou para as palmas da mão, numa noite fria, e descobriu que os sulcos nela impressos são os traços do coletivo que por mim passou e deixou inscrito nelas a sua história e esperança. Finalizo com o que uma amiga me disse e muito me tocou: "Alçar velas e navegar pra dentro de si mesmo é para os fortes... mas será sempre uma viajem de valor incalculável!"  Finalizo esse texto com quem me guia, o soprar do Espírito Santo. Pois, de nada adiantaria a fusão da vela com o mastro, se Ele não soprasse para que eu saísse de zonas de calmaria e estagnação e descobrisse novas possibilidades em meu viver. E é isso que te desejo ao final dessa leitura. Somos todos ecos do que deveríamos ser. Estaremos sempre em falta e navegando em arranjos vetoriais do ser. Todos, no desafio de crescer, temos vetores internos: com direção, módulo e sentido. Velas, mastro, mares e vento. Esses vetores, mesmo em ondas de inflexões, ainda assim apontam para o novo, para a liberdade e o amor.
Um infinito de possibilidades estão a tua volta, as apanhe sempre que puder! Elas poderão não se repetir nos ecos do infinito, do destino possível que reescreves, com teu agir no aqui e agora. 

Sobre Circos, Navios e o Amanhã


    
Manhã de sexta reúno a equipe para discutirmos os rumos de alguns projetos. Entre um tema e outro, o assunto recaí na importância da equipe para o sucesso dos desafios que se apresentam. Valéria puxa o assunto e enfatiza como gostou da última experiência de posse coletiva no auditório, na qual todos se juntaram para vencer a enorme dificuldade de empossar mais de cem colegas em novas funções na Ditec. Impostar no sistema a posse requer muita atenção. Pois, caso tenha sido digitado um prefixo errado para a posse, dos mais de 18 que a Ditec possui, o cancelamento é trabalhaso. O processo operacional de gravar as posses é muito custoso. Outra coisa que torna o processo lento é que o funcionário precisa chegar para a posse com um conjunto de condições atendidas, caso contrário o sistema não roda a posse. Isso requer um bom planejamento e farta dose de comunicação prévia.
Valéria emocionou-se ao registrar aquele momento recente. Eu lembro. Lembro que compareci à abertura do evento, no qual o diretor fez uma saudação ao grupo. Quando terminou as falações era 15hrs. Saí do auditório com uma ponta de preocupação com o tempo. Precisávamos rodar a posse naquele dia, e só naquele dia, sob pena da promoção não impactar positivamente a folha de pagamento de agosto. Eis que às 16h30min as meninas entram radiantes no setor, trazendo as pastas dos promovidos em caixas de papelão. De longe olhei e penso: lascou alguma coisa. Mas que nada, elas conseguiram o impossível. Bateram o recorde mundial de posses. (risos)
Não acreditei e perguntei como fizeram o feito. Elas falaram: “planejamento com todos os envolvidos e trabalho em equipe na execução.”
Valéria continuou a falar durante a reunião. Seus olhos marejados evocavam o show do Cirque du Soleil que ela foi. Ali, ela notou que o melhor trapezista, contorcionista, dançarino malabarista, quando terminava seu número, sua apresentação, ia apoiar os outros no que precisava. Não ia para os camarins. Continuava a ajudar aos outros a também brilharem.

Às vezes ficavam ao lado do palco torcendo, só isso. Uns pegavam vassouras e varriam os papéis picados jogados ao leu no show anterior. Outros montavam o palco para o próximo número. Numa das cenas mais emocionantes que ela relatou. Um casal de trapezista faz um belo número, aí o imprevisto para o Cirque du Soleil acontece. A moça erra a passada e caí na rede de proteção. Silêncio total. O outro trapezista que fazia par com ela poderia esperar que ela subisse novamente as escadas e continuasse o show. Mas não, ele se projeta na corda e no meio do espaço vazio a solta, caindo na rede. Pega pela mão sua companheira de show e ambos descem sob aplausos e emoção incontida da plateia.
Valéria contava isso e agora quem chorava éramos nós. O maior trapezista do mundo, ao sair de cena, vira o melhor ser para o mundo, naquele momento de solidariedade e empatia.
Mas, quem pensa que trabalhar em equipe é fácil leia sobre o fenômeno da Enganação Social, descrito por 
STEPHEN P. ROBBINS, quando soma das contribuições individuais é menor, gerando uma entropia coletiva, uma espécie de sinergia negativa, se é que existe isso. Na enganação social a soma das individualidades, por exemplo, 1+1+1,  pode ser igual a 2, 1 ou em casos extremos 0. Ele atribui isso à percepção de parte do grupo que alguém está se escorando, chupando cana, fingindo que trabalha, e não acontece nada. Em grupos menos maduros, com menor nível de autonomia e consciência crítica, os demais que ralavam mais que o devido para cobrir a área do preguiçoso vão ficando chateados e no inconsciente coletivo reduzem seu ritmo também. Ele provou sua tese com um experimento de laboratório. Colocou pessoas para puxarem uma corda individualmente amarrada a um instrumento que media a força que estava sendo aplicada. Depois juntou as individualidades numa equipe e pediu que todos juntos puxassem a corda. Ele percebeu que em alguns grupos formados o resultado era menor que a soma das individualidades, e nunca as superava. Sendo sempre menor. Noutros grupos dava maior o resultado do que as contribuições individuais.
Então, cai por terra o lugar comum que diz que trabalhar em equipe é sempre mais produtivo. Depende, Robbins diz que isso só é possível com acompanhamento individual dos membros da equipe e celebração coletiva dos resultados. Assim o cara que se escora sente-se cobrado, o grupo sabe que estão de olho nele, e não involui.
A própria etimológica da palavra equipe: do antigo Francês Esquipe, “aparelhar um navio”, conduzindo-o com segurança ao cais. O “aparelhar” era um movimento delicado de puxá-lo para o local correto, na atracação no porto, com cordas grossas chamadas de camelo. Todos se envolviam e se um não puxasse, ou puxasse de forma atabalhoada, o prejuízo era coletivo e todos viam na hora o que estava dando errado, aliás, o resultado era palpável do sucesso ou fracasso. Então as Esquiper eram treinadas, motivadas, acompanhadas para fazerem seu trabalho com perfeição e evitarem prejuízos nos cais pela atracação indevida ou lenta.
Quem pensa que trabalhar em equipe é fácil...
Exige treino. Exige orientação. Exige aparar arestas. Exige um coaching que incentive a colaboração, cooperação e não o contrário como existem muitos por aí. Pseudo-motivadores que mobilizam as equipes jogando uns contra os outros.
Imagino as horas de treinamento que Cirque du Soleil investe na formação de suas equipes para o coletivo, para o sucesso grupal. Imagino que a exigência das competências da inteligência emocional e social permeie inclusive seus processos de atração e formação de talentos.
Trabalhar em grupo exige treino. Ralação, espaços de catarse, de avaliação da dinâmica grupal. Espaços de perdão, de recomeço.
O outro sempre poderá nos ferir, nos magoar, somos sensíveis. Somos subjetividades. Muito mais que racionalidades. Como nos sentimos passa por nossas experiências anteriores, história de vida e cultura, e até por distorções perceptivas e de comunicação. Somos assim, imperfeitos por natureza. E, o outro nem sempre tem acesso ao nosso sistema interior e pisa na bola. Se não houver espaços de feedback, de troca, de avaliação da caminhada essas coisas vão ficando mal resolvidas e o grupo empobrece. Todos para se protegerem de inimigos reais ou imaginários, entram na enganação social, no piloto automático. Entende?
Uma pena que vários gerentes chegam a esse posto achando que só os aspectos técnicos do cargo serão necessários para exercê-lo. Uma pena!
Quem pensa que trabalhar em equipe é fácil...
Exige inteligência emocional, humildade, respeito, ética, atitudes e valores como compaixão, empatia, diálogo tão raros nos tempos atuais nos quais tudo é descartável, ou se é reduzido ao valor monetário que produz.
Já integrei várias equipes: esportivas no Sesi quando nadava. Religiosas. Sindicais. Bancárias. Acadêmicas. Sociais na ONG Grupo de Apoio à Vida.
Em todas elas vivi cenas do Cirque de Soleill, ou dos navios franceses e suas ‘Esquiper”.
Cenas lindas nas quais todos eram tudo e tudo era todos.
Cenas das quais sinto uma saudade tremenda.
Também já integrei equipes com Enganação Social. Também reduzi meu ritmo ao ritmo do menos eficiente, numa espécie de protesto bobo e insano, fruto do nível de autonomia e consciência que tinha á época.
As lágrimas de Valéria ao relatar seus aprendizados com as posses e o Cirque du Soleil encheram meu coração de vida.
Chegará o tempo que a arte de trabalhar em grupo, num rico somatório de percepções e contribuições, fecundo à inovação, será muito, muito mesmo, mais difícil do que nos tempos atuais.
Nosso modelo de educação, de sociedade, está produzindo arrogantes, pequenos tiranos, pessoas com baixa tolerância às frustrações, do tipo cair na rede do trapézio.
Pessoas criadas por pais e mães que ensinam que para crescer tem que pisar, oprimir, machucar.
Pessoas criadas para sozinhas verem atendidos seus desejos, independentemente da coletividade.
É esse texto é démodé.
Como pai tentei incutir esses valores em meus filhos. Valor da simplicidade, da ajuda ao outro, da paz, da justiça, da cidadania.
Mas, tá ficando difícil. Outro dia fui numa cerimônia do colégio na qual algumas crianças premiadas, uns 20% do grupo. Os outros ficaram aplaudindo. Foi premiado o destaque em matemática, em português, em desenhos, no esporte... etc.
Não havia prêmio para o aluno amigo, o aluno solidário, o aluno bondoso, o aluno que dividiu seu lanche ou brinquedos. O aluno que não fez bulling, não agrediu seu professor ou colega.
Não havia esses prêmios. Os prêmios refletem o modelo de sociedade que estamos produzindo e criando nossos filhos.
Um modelo que incentiva o cara a cortar pelo acostamento e deixar uma fila quilométrica para trás, simplesmente porque ele acha que merece passar na frente de todo mundo e fazê-los de bobos. Ele merece, pra agora e já chegar a casa cedo. Os outros? Ahh os outros. Quem mesmo?
Então quando se somam essas individualidades em equipes, essas pessoas educadas pelas famílias, escolas e até igrejas para a prosperidade, para o sucesso, cada uma delas quer brilhar sozinha. Ninguém quer varrer o chão para o show do outro que vai começar.
Cada um, na sua fantasia de dominação, acha que o mundo gravita ao seu redor. E, numa ambição descabida, excluem qualquer possibilidade de consenso ou diálogo.
Da mesma forma que os Black Blocs vão às ruas para depredar o patrimônio, para agredirem, numa falsa pretensão de serem anarquistas. (Precisam ler mais sobre Anarquismo)
Existem as academias de formação dos “Black Blocs” emocionais.
São famílias e mais famílias; escolas e mais escolas; igrejas e mais igrejas “educando” para a intolerância, para a violência, mesmo que em palavras.
Os locais de trabalho também estão repletos de de Black Blocks corporativos. Gerentes, não gerentes, etc. Gente para o qual toda forma de diálogo, de aproximação, de busca de consensos possíveis, em áreas de divergência, é sinal de fraqueza.
E ninguém mais quer parecer frágil, humilde ou ceder. Está fora de moda.
Urge que pais e mães subvertam essa ordem reinante e instaure em seus lares novos tempos.
Urge que Igrejas, organizações e os movimentos sociais tragam à pauta, 
à agenda, à reflexão sobre a necessidade de outra educação, formação profissional e social. Que prime pela civilidade, solidariedade entre povos, humanização das relações e eduque para o respeito à diversidade.
Urge que nos processos seletivos para cargos gerenciais esses valores sejam preponderantes para nomeação de um gestor, pois só assim ele poderá educar e formar Equipe, e continuar a sua própria, nunca acabado, desenvolvimento.
Obrigado Valéria por suas lágrimas. Obrigado Senhor X que caiu na rede do trapézio para apoiar sua parceira.
Não deveríamos chorar ao falar de pessoas trabalhando juntas num único objetivo.
Deveria ser tão comum. Mas, no reinado do capital, no qual o templo maior é o Shopping, o Deus  é o Consumo, com sua deusa Marca, não estranho mais nada.
Estamos velozes e furiosos, querendo felicidade já e a qualquer preço.
A tribo do Ser anda em extinção. Mas, a semente dela é boa e forte.
Se cada um dessa tribo começar a questionar os valores atuais, começar a fazer sua parte para “deseducar” seu grupo de referência nas atitudes de morte, educando-os ou propondo reflexões sobre posturas e gestos de vida, quem sabe!
Há um enorme navio chamado Mãe-Terra, com sua tripulação chamada de humanidade que precisa urgentemente de várias “Esquiper” que ajudem a atracá-lo em segurança.
Somos poucos, mas somos fortes!
Venha para nossa esquiper... Há vagas para pessoas solidárias, éticas e justas na puxada do camelo do navio da Mãe-Terra para que ela atraque em segurança e seja sustentável para as gerações futuras. Sustentável em vários aspectos, inclusive no amor, afeto e paz!

Nem sempre perder é perder; ou ganhar é ganhar.

Outro dia Leni me abordou no trabalho com um adaptador de tomada na mão. Daqueles que ajudam a plugar equipamentos no padrão antigo. Com os olhinhos brilhando ela disse-me: Ricardim, dá uma crônica a importância de um adaptador na vida das pessoas.
Fiquei olhando para ela e para aquele objeto e entendi o sentido que ela queria apresentar.
Leni chegara há uns meses para trabalhar conosco. Por toda uma vida fez carreira nas agências do BB. Esse ano passou a trabalhar numa outra realidade, saindo da ponta do negócio para uma área de estratégica de TI.
Quando ela chegou, tudo deu errado com sua posse. 
Chave não acessava os sistemas, computador travava, senha de telefone bloqueada, acesso a rede sendo negado... Todos os dias, a doce e sorridente Leni chegava com um problema diferente.
Aos poucos ela foi vencendo um a um, a ponto de agora fornecer consultoria rsrs.
No início ficava apreensiva com o volume de serviços, com pedidos desencontrados, com demandas prioritárias das prioritárias se acotovelando.
Com um estilo de liderança que valoriza a autogestão do processo produtivo, que não fica em cima, que confia no potencial e deixa o outro ir desabrochando aos poucos.
Ela ficava doidinha comigo. Rsrs
Lentamente ela foi adaptando-se, ao estilo de liderança, à equipe, aos serviços.
Temos dentro de nós esse plug adaptador. Todos temos.
Mas é preciso saúde emocional para ativá-lo. Nem sempre estamos a fim de bancar o risco e pagar a conta.
E, tem certas coisas que se adaptar a elas é morrer um pouco a cada dia.
Portanto, esse adaptador funciona para umas situações de vida pessoal ou profissional, para outra o que funciona mesmo é o bocal-macho.
Mas o que é o bocal-macho. Calma que te explico.
O bocal-macho é um artefato que numa ponta é um soquete de lâmpada (um bocal) na outra é um plug de energia, daqueles que mais parecem um garfo.
Se tivesse um prêmio de inovação para o setor elétrico com certeza esse objeto estaria bem na fita.
Ele consegue transformar qualquer ponto de energia num ponto de luz. 
Se for conectado a uma extensão, teremos uma gambiarra portátil super útil. 
Então, algumas situações pedem que nos transformemos. 
Pedem mudança na nossa natureza. Não pedem adaptação.
São situações bocais-de-garfo-de-energia. 
Nas quais mudar e juntar duas coisas transformando-as numa terceira coisa, fruto da sinergia das originais é preciso.
No jargão popular, dizemos: fazer do limão uma limonada.
Então vim para casa com o adaptador e aqui no armário encontrei meu bocal-garfo.
Deixei-os à vista e fiquei feliz.
Ali, à minha frente, duas peças que resumem a trajetória humana: adaptação ou mudança dialética; ou ambos numa composição harmoniosa.
E quem se adaptar muda. Muda a si mesmo diante da realidade.
Adaptação é uma forma de mudança. 
Quem transforma adapta-se. Toda transformação carrega em si o gene da adaptação. É uma resposta.
Então as coisas são E e E. Tem casamentos que precisam de adaptação. Um mudar em relação ao outro, aos filhos. 
Tem casamento que precisa de transformação, de um basta, pensemos na situação-limite de uma mulher que é agredida por seu esposo.
Ou de uma mãe que vê seu filho sendo consumindo pela droga e que precisa agir.
Adaptar, renunciar, mudar, transformar são notas de uma mesma partitura da bela composição da vida e do viver. 
Importantíssimas para nossa evolução. 
Sem adaptação não aprendemos. Sem mudança não alteramos rotas e cursos de ação.
Tem muita gente por aí mal resolvida, desajustada, com crise de adaptação.
Tem muita gente por aí que se diz bem resolvida, adaptada, mas que no fundo é mesmo um cagão de um medroso. 
Tem muita gente por aí que mudar por mudar, sem consciência crítica, sem avaliar consequências.
Tem muita gente por aí que muda para melhorar, para crescer, mesmo que doa. Mudar dói.

Somos essa “muita gente”. Temos em nós adaptação e desadaptação. Mudança e estagnação.

Encontrar o tom é o segredo do bem viver. A dose de um ou de outro será o que fará a diferença. Mas, para isso tem que ouvir a consciência.
Tem que buscar o autoconhecimento. Fazer as perguntas filosóficas eternas:
Quem sou? O que quero ser? O que me agrada? O que me desagrada? O que me aprisiona? O que me liberta? O que gosto? O que não gosto? Qual sentido de minha vida? Quem é importante em meu viver?

Tem que ter a coragem de vez por outra fazer essas perguntas e optar, e escolher, e intuir se o que não está pegando mesmo não é a falta de adaptação, de flexibilidade, de aprendizado.
Ou será que o que está pegando não é justamente a vontade de mudar, de renovar-se, de transcender e romper velhos modelos.

A decisão é nossa!
A escolha também. 
Não há receitas, não há prescrições, fórmulas.
Que para um funciona, para o outro nem tanto.
Só sei que no limite, independente de fé, o Papa Francisco está certo. Como diz minha amiga Fernanda: Quando há reflexão, autoconsciência, humildade e respeito à coletividade (há quem queira que todos ao redor mudem para que os outros se adaptem a ele) é menos doloroso se adaptar.
Só não vale à pena se adaptar se for pra ceder às pressões de uma sociedade perversa. Nesses casos, o pensamento de Arnaldo Antunes é o melhor conselho: "Será que eu falei o que ninguém dizia? Será que eu escutei o que ninguém ouvia? Não vou me adaptar"

Desejo que você, adaptando-se ou movido pelo desejo de uma transformação radical, do tipo daquela do bocal-garfo que fundiu a característica de um bocal de luz à de um plug (garfo) de energia; transformando o objeto final numa outra coisa - fruto das duas, esteja sempre em paz consigo mesmo. Mesmo diante de decisões difíceis, caminhe sempre na verdade, ética e justiça. “É preciso coragem para ser feliz”. Ou como diz André, um amigo precioso, amar é decisão.

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